O que espera algo deste dia
vê assomar a alvorada.
Eu vejo o dia romper,
na dissolução da noite.
Ainda e sempre aquele açoite.
O que espera algo deste dia
vê assomar a alvorada.
Eu vejo o dia romper,
na dissolução da noite.
Ainda e sempre aquele açoite.
Não é ancorado que se avança.
Progredir (volta e meia) pede distâncias.
O porto sei-o de cor.
Nada nele me alcança.
A vida pede instâncias,
é como está disposta.
E se o farol já se apagou
que me importa esta costa?
Jesus, pendente da cruz, rogou a Deus que perdoasse seus algozes.
A Igreja, por dois mil anos, se vingou da humanidade.
De nada nos adiantam os santos sem os seguirmos de verdade.
A madrugada quando não é profunda
é, claro, rasa.
Eu me pergunto o que os bêbados estão fazendo de interessante,
ou o quanto seu estado lhes infunde essa ilusão.
De cá, sinto que não cumpro algo
(e não é me intoxicar).
Nos supomos tão sóbrios,
tão lúcidos,
tão letrados...
e não sabemos o que está escrito.
É madrugada.
Socorre-te do lápis e lança à própria cara tudo que não merecerá a eternidade.
Suas aflições que não são nada diante das daqueles a quem falta o pão.
Os seus falsos cuidados que em nada se comparam aos de quem ama.
As suas quase companhias que não veem suas frases chegarem ao fim.
O sacrifício de abster-te do que para ti carece de valor.
A coragem que não chega para por nas coisas todas as letras,
ou para arrombar as portas entreabertas do coração que se sonha às escâncaras.
Não te chega para andar na prancha, limpar o convés, consultar os astros.
Toda coragem pouca chega tarde.
Cedo apenas o bastante para descobrir no tempo a voragem, a passagem, a estiagem, a pausa.
A pausa.
A música que falta saber mais para reconhecer.
A lousa dos melhores dias da vida
é areia da praia.
Só leu o seu recado quem também o escreveu.
Jamais as ondas se deteriam tanto que permitissem uma testemunha honesta, quer do vivido, quer do relatado.
O segredo foi escrito
e está lavado.
Mesmo o muito doce há muito foi salgado.
Essa é sua conservação,
é o que minha memória consente.
Nem tudo se rememora.
Algo se revive.
Nada se ressente.
Algo é deixado,
algo é combustível do presente.
Ao futuro, aonde mais?!
Ao duro, ao leve,
a tais!
Alarme, cúmulo do silêncio.
Silêncio, repouso do alarme.
De onde Deus não está
tudo se evade.
Ó que não consta que o nada exista
(em realidade).
O amargo para saber do doce,
o doce para saber do amargo.
Quem já não o tivesse sentido
poderia achar que eu tinha inventado.
Ninguém foge aos conselhos da madrugada,
despertos ou adormecidos.
Os conselhos da madrugada têm algo de intrometidos.
(Ainda para os abstêmios é como se houvessem bebido)
Nada parece pequeno, tudo se vê expandido.
Qualquer decisão que se avente parece selar o destino.
Mas o dia raia sobre a loucura como raia sobre o siso.
E sempre trará o querer ter ou não ter cometido.
A conversa mais transcendente que se pode entreter
numa quarta-feira de cinzas é com divorciados.
Sabem que a ressurreição existe.
Tiveram a coragem de desfilar.
Enfrentaram o rigor milimétrico da apuração.
E recolheram-se, muitos, sem nem faixa de campeão.
Às vezes a euforia dura quatro dias por ano,
às vezes quatro anos
(às vezes é só enfermidade).
Mas transcendem.
Mesmo se o carnaval não foi uma escolha tão consciente.
Era bloco pra todo lado, aderir a um ou ser arrastado.
E tomem serpentinas e buquês e muitos figurantes,
de abadá ou "enternados".
Depois que passa parece um sonho,
ou talvez até pesadelo.
Não sabem se "nunca mais!"
ou "nos vemos em fevereiro!"
As madrugadas dos feriados parecem blindadas
contra até a passagem do tempo.
E têm um fermento distinto,
como se delas pudessem nascer poemas,
problemas, vergonhas ou projetos vitoriosos.
Mas madrugadas é que são os tempos faustosos!
Nada me alcança.
Nada me atormenta.
A campainha não soa.
A companhia repousa.
O mundo está onde pertencente: lá.
E mesmo lá posso buscá-lo, num passo,
como me convenha.
Ser criador é uma ótima ideia,
embora seja velha.
É um poder irresistível;
os personagens nascem e morrem
(conforme saiam dos trilhos).
Criar é liberdade,
e liberdade, um perigo!
Então deponho a caneta
(como ora convém ao livre-arbítrio)
É uma vela que por mais que se sopra
não se apaga.
Porque de um velório sem morta
ou de festa sem a convidada.
Não se apaga e se não se apaga
não se realizam os desejos.
(Talvez porque sejam os ecos
de já tão apagados festejos).
Alegrias em que... ainda se vive?
Resta a questão filosófica pura:
a espera é sobrevida
ou é morte prematura?
A página completamente branca
é o infinito das possiblidades.
E precisar de pauta ou formulário,
um diagnóstico de banalidade.
Eu conversaria comigo
se soubesse o que dizer-lhe
(a este que é livre entre quatro paredes).
Poderia consolá-lo se não suspeitasse
de que é o autor do mal de que padeço,
do quanto faço por merecê-lo.
Ele é isso
ou é comigo?
Nem tráfico nem tráfego me o fariam rico.
"Luxo é ser compreendido".
Em nenhum folclore encontrei cantos
que dessem conta do teu encanto sobre mim.
(Em nenhum folclore,
e consultei-os por aí...)
Marujos e suas belas em terra firme
Caixeiros-viajantes e suas damas nas janelas
Poetas e suas musas
Lunáticos y sus lunas.
Nada nesse formato
Nada nesse tamanho
Nada tanto!
(E não o estranho).
Tudo inesquecível
(de cardinal a fixo).
O que o paraíso sabe
sabe a mistério
(e não o esclarece nenhuma batismo).
É preciso o coração aliar-se ao juízo.
Dizem
E que te digam!
O que dizem não te maldiz.
(Ninguém tem força para te fazer infeliz)
Dizem que queima
mas não que nutre
que racha
mas não que supre
dizem que mata
mas não que é condição da vida.
Falam muito do astro
(e sua estrela fica esquecida).
No primeiro dia em que chorei na sessão, disse à terapeuta
que meu pai não gostava do que eu escrevia.
E o corte foi este:
- Mas seu pai gosta de poesia?
Sem saber se minhas palavras e seus olhos iam-se avistar
não falei muito
mas foi muito falar.
Sábado e sou de novo o senhor do tempo.
Sou senhor contra quaisquer argumentos.
Nenhuma senhora me acompanha.
Nada me remunera ou se assenhora de mim.
Sou livre para fazer e afazer, enfim.
Sem grilhões ou cadeados.
O tempo diante de mim espera ser desafiado.
Espera jamais ser vencido.
Jamais! (eu afirmo)
O tempo não é oponente
O tempo que temos é senhor da gente.
E os passáros criados livres
sabem que voar é uma oportunidade?
Sabem em que os adianta
(ou ficará para mais tarde)?
Tinha o recado
sem o destinatário.
E apesar da falta
trabalhava nele
com todo o cuidado.
Revisava-o muito
(com muito esmero).
Investia-lhe todas
as horas de tédio.
Trazia-o sempre consigo
pois "Nunca se sabe!".
E sabia-o muito
(sabia-o todas as tardes).
A janela ficou sendo moldura
ora de sorrisos
ora de lágrimas.
E ela senhora de si
e agora senhora de idade.
Aquilo já não era
o que ainda se ama
nem peixes
nem escamas
nem imensidão oceânica.
No aquário
a luz e a luta
são mecânicas.
Estou sozinho nesta sala.
Nada me impele.
Nada me cala.
A liberdade chegar a dar-me
a impressão de asas.
E ainda o voo solitário parece invasão.
Ninguém pode ser, sozinho,
dono de uma imensidão.
Por isso existe o eco
e o vácuo é só impressão.
Nada valem as horas que não terei
pelas que desperdicei.
Nada vale o tempo que não será.
Em seu âmbito nada se opera.
O seu âmago é o avesso da espera.
Querer é uma certeza bruta
que sabe ser delicada.
Quem não sabe o que quer
não quer nada.
Talvez queira querer,
queira saber o que é isso;
que é algo que não se transmite,
nem ao saudável nem ao enfermiço.
Não se decide estar arrebatado.
Quem sabe o contrário disso
pode certamente saber-se errado.
Pode haver abertura,
mas também se abrem buracos
(e a própria sepultura).
Primeiro se é tomado.
Depois a tessitura.
Amar é a inflamada
incandescência da ternura.
Mas o amor não é teorizado
(é experiência pura).
Não minto para você,
mas você ouve as mentiras que me conto.
Jamais demandaria altares
nem toleraria ser o último ponto.
Se essa verdade me desfavorece,
é nessa verdade que me reencontro.
E reunido a mim trafego melhor,
e se incandesço me vejo brilhar.
E a noite é sempre a infinita
noite em que você nunca está.
Acabou janeiro, sem pedidos de prorrogação.
E muitos até lamentavam a sua extensão.
Ô mês quente!
Tão quente que impulsiona.
E de modorra
(tanta que estanca).
O céu desaba obrigado pela estação.
O céu desaba porque não é habitação.
Há quem veja em janeiro o posfácio do Natal.
Também há quem veja nele o prelúdio do carnaval.
Neste ano não tem função:
o carnaval é em março, e o prelúdio, em fevereiro.
Restou-lhe ser interlúdio
(passageiro).
Navios naufragam e o mar segue lindo.
E os portos não ficam mais interessantes por isso.
Os portos são o necessário abrigo,
o refazimento.
Sua excitação mora na espera.
Dos portos se parte.
Esses ventos favoráveis ainda nos levam a Marte;
nos levam a Vênus.
Praza a Deus que os portos não nos faltem,
nem neles nos demoremos.
Nenhum medo pode ser tão grande
que faça o mundo pequeno.
Quem tem medo da própria altura não cai.
E não cai porque rasteja.
Não vê a copa que viceja
e nem por isso vê raiz.
Quem tem medo da própria altura
decretrou que será infeliz.
Não consegue porque não tenta.
Não soluciona porque não inventa.
Quem tem medo da própria altura
está em prisão de insegurança máxima.
Confunde coragem com empáfia.
Não procura e tampouco acha.
Falta entender-se e estender-se.
Conquistar a dimensão, habitar essa altura.
Uma voz que o repercuta.
(É preciso esse pouco de loucura).
Cai a noite na razão
e o dia não raia sobre o juízo.
Nada parece sob controle
neste mecanismo.
A madrugada não é alta
nem se rebaixa.
Tudo é solto nesta engrenagem
(como se feita de graxa).
Os olhos não veem,
mas parecem ouvir.
Como se fossem de lá,
embora estejam aqui.
Nada se remete,
nem há quem o receba.
Como se não houvesse em mim
quem o perceba.
São coisas de sonho,
mas sem categorias de inconsciente.
Nada se entende
(mas tudo se sente).
Mundos colidem.
E se colidem, explodem.
E se explodem, há luz?
Quero luz.
Tenho luz nos olhos.
Que sejam bons!
Meus olhos estão com você.
Deles vejo a paisagem,
e é por eles também que se entra.
Não digo porque os brilho:
Você está convidada.
Não sou vampiro de capa
e me antecipo ao convite pressentido.
Eis que estou à porta e bato;
sou esse outro senhor.
Esta vida não pode ser eterna,
mas pode ser eterno o amor.
É o que de melhor se pode fazer dela:
Bela!...e de amor.
Velejo, vejo, desejo
e espero.
Há terra à vista
neste hemisfério.
Vejo passarem paralelos
e meridianos.
Sem nomeá-los ou numerá-los
eles vão me acompanhando.
Não estou sozinho
nem habito o sonho.
Tem cheiro e textura
o que estou experimentando.
É um afago, um abraço,
um ardor.
É expansão, dilatação,
é calor.
Então sinto bem
o bem que isso faz.
Nunca fez menos sentido
voltar atrás.
Um apocalipse é sempre o anúncio
de grandes acontecimentos.
E podem ser maravilhosos
pra quem sabe olhar o advento.
O que risca o céu.
O que convulsiona o mar.
E traz estrelas aos olhos
só de aportar.
O que coroa a mudança.
Remunera a boa espera.
O que faz da Terra
muito mais que a Terra.
O que encurta distâncias
e não acontece em tempo real.
O que tem marcha própria
(sobrenatural?)
Não sabia pelo que esperava,
o tempo é de compreensão.
Este Tempo não tem pressa.
É tempo de construção.
O dia há muito apagou-se
(como, aliás, lhe compete).
Eis que a noite me acende:
- Reflete!
Já contei 99 ovelhas
e até fui atrás da perdida,
que me olhou com desdém
(estava de saída...)
Não tem chá.
Não tem melatonina.
(Mas tem hora que parece mesmo
que o Universo encaminha.)
Não vi do que tinha vivido,
ou talvez tivesse sonhado.
Talvez o taxidermista
me tivesse operado.
Tudo se movia
e eu ali,
parado.
Sem eixo.
Sem rotação.
Sem traslado.
Um objeto móvel
e contudo fixado.
Parado no tempo,
no intento,
no tramado.
A vida é breve, breve!
Como cortei tanto o cabelo
e fiz tão pouca greve?
A vida é um instante;
tenho tempo para sorrir,
mas não para reenovelar o barbante.
A vida é tão rápida!
E é muita pulsação
para ter a cara pálida.
A vida urge, escuta!
Vez ou outra haverá tempo
de verificar a biruta.
A vida tão!
A vida tanta!
A vida nunca diminuta.
Mas segue a incompreensão da pauta
e o mistério da batuta.
Nem atômico
nem subatômico.
A forma de ser minúsculo
é tentar ser grande.
Grandeza é um ser
que não deriva
de tentar ser.
Das boas coisas que me aconteceram
uma foi perder a pressa.
Não estou certo de que já tive pressa.
Talvez de crescer, quando criança.
Ou de ter idade para dirigir, beber,
ou ultrapassar incólume a apresentação ao exército,
o vestibular.
(Decerto não tive pressa de casar)
Hoje não tenho pressa alguma.
Sei que tenho a eternidade para crescer.
Mas não ter pressa não é perder tempo.
Estou ou procuro estar atento.
Não sei o que perguntaria
a Deus, se tivesse a oportunidade.
Talvez apenas ouvisse, afinal,
Ele não precisaria que eu falasse.
(Deus fala com os mudos e os tatibitates)
Será que Ele me brindaria com uma resposta espontânea?
Talvez a esteja dando suficiente na natureza.
Talvez a tenha dado bastante na palavra de seus emissários,
missionários, de seu Cristo.
A esses tenho escutado,
e me esforçado por entendê-los.
Não tenho pressa nem deixo pra depois.
Esse processamento é o meu feijão com arroz.
Não é neve, é chuva.
Não é neon, são uvas.
Comem-se sem se pisarem.
O ano virou
(obrigado por avisarem)
Agora estarei atento.
Agora serei refeito.
Agora talvez esqueça
este ou aquele defeito.
Talvez agora me ligue
a esta ou àquela virtude.
E refaço o plano do empenho
em reajustar atitudes.
Algumas ideias novas,
mas as melhores de há dois mil anos
(infelizmente talvez inéditas)
Retomo o compasso.
Talvez entenda a bússola
ou descubra o astrolábio.
Agora tudo de frente,
nada de soslaio.
Agora à plenitude.
Agora a agora.
E o futuro segue sendo
matéria das próximas horas.