sábado, 30 de novembro de 2013

CENTRO

Eu queria morar num desses prédios do centro mais despretensioso, de nome "Cannes" ou "Mediterrâneo", ou qualquer outro que leve ao contraste de sua deselegância com o presumível charme do originalmente abrigado pelo nome. Ali a efervescência dos dias de feira me soterraria sob seu movimento quando também eu mais funcionasse. E o domingo alçaria a uma perturbação a ninharia do ganido de um cachorro velho; no domingo, quando também eu me sinto vencido.

Eu me sinto centro para além da obviedade de ser o centro de mim. Eu também tenho picos de vida, e também malvivo o ostracismo, quando meus dias não são úteis. Eu também sou mais colorido e agitado quando é assim a gente que me passeia e sou cinza, ou cinzas, quando a maré já não está cheia. Eu também sou num dia o espanto por as ruas serem tão largas e no outro o espanto por não bastarem a tanta tristeza.

E fico sem entender por quê os prédios são tão altos, quando estamos tão rebaixados, e os produtos tão novos, quando estamos tão defasados. Do que se faz um centro, e por que se oferece a todos quando é tão exclusivo o que o orbita? Por que outra gente, aqui tão perto, não sabe o que é estar aflita?

Mas eu sou só uma rua do centro, o que não falta é tribo! Eu sou só ruas do centro, não chego a prédio. Eu sou só ruas do centro, sou tédio. Vou de esquinas a viadutos. A garota-propaganda nunca usa o produto.

domingo, 24 de novembro de 2013

AO SUL DO REAL (FENÔMENOS)

"Com" Carlos Maltz

Mortais e mortíferos,
meus sonhos soníferos
me levam além.

Ou também os sonho acordado,
quando o com muita força sonhado
o sono já não o detém.

Disse-me Maltz que do que precisava
era de fazer atenção ao real.
E que não é que não seja real
o que está na minha cabeça,
mas é que há o mundo dos fenômenos...

(Mas e se a minha cabeça é fenomenal!?)

Minha cabeça está ao sul do real,
onde tudo está sem norte.
Onde é tudo de tal porte
a não o confinarem lestes e oestes.

Eu o que quero é seduzir o mundo!
E quando ser tão mundano

me tornou a seus olhos tão imundo?
Não sou, Carlos, Raimundo,
mas tenho, sim, sonhos fecundos.

E nos meu sonhos fecundos,
em se plantando tudo dá!
Que terra mais fértil
a dos meus desejos estéreis!

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

UM INSTANTE (!)

A cidade está cheia de drogarias;
24 horas! 
Que maravilha!

Se ao menos houvesse remédio,
se se comprassem remédios 
para a angústia e o tédio!

Catábase: desce-se à madrugada,
e como atravessar a noite
sem o açoite da vontade de não ser?

Palavras!

Se melhor me faltassem,
só me faltariam à formulação
de uns tais pensamentos...

Melhor seriam sendo nada!
Brisas, ventos, um refresco!
Mas falam mais do que me é dado ouvir,
mais do que o que posso ler!

(Nada como as coisas como vistas
no retrovisor de ao depois)

E era tudo apenas um instante.
Aguente-se sempre!
É tocar adiante!

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

MUITO PRAZER

Mesa, plateia, viagens..
Que outras mais belas paragens
do que estas por que sei me perder?

Alimentam o corpo e a alma,
e unem os mais belos espíritos,
do cair da noite ao amanhecer.

E se as noites as viro tão plenas
da satisfação mais terrena
até a alma se presta a arder.

E os dias vão a meses e a anos,
e não sei fazer outros planos,
só me deixar entreter.

São todos meus convidados,
e não há tempo mais azado:
já está a areia a escorrer.

Olá! Muito prazer!

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

BRUMAS

Gostava tanto de te abraçar!
Sentir o peito arfar contra o peito...
É meu pleito num jogo de azar,
para ser da sorte o eleito.

Acercar-me da moça morena
e era plena a minha fortuna!
Mas o que digo?!
Não é real o que vejo!

O que digo?! 
É anseio!
São brumas...