RECIFE

Sol
Aurora
Ninfas...
Onde ruas e contraste
melhor se denominam?

Recife, tão estranho,
tem muita coisa ímpar.
Não a gente que ostenta longe
ou a de penúria palafita.

Recife traz guardado no cinza
o de que o povo mais se anima.
Recife balouçante,
da carne preta que excita.

Recife é rock n' roll,
e o seria mesmo se seu maracatu
nunca visse as guitarras
dos pretos de Tio Sam.

Recife com tanto ontem
descortina amanhãs!
Recife dos literatos.
Recife suja e perigosa.

Recife encantadora,
tá com tudo e muito prosa!
Tá com tudo e contudo
eu não sou um de aqui.

Mesmo se há nesta terra
o amor mais belo que vivi.
Sem que pra isso precisasse
que minha mãe me legasse Clarice.

Recife, te sou estrangeiro
e porto minha própria esquisitice.
Recife, vou te deixando
sem nunca te deixar na mão.

Esta mão branca que agora acena
amanhã toma o avião.
E te traz de volta uma sede atenta
de a tudo compreender.

Recife, não tem Holanda sem Olinda
que melhor me possa entreter.
E tecer nos refolhos da vontade
a insuperável de te decifrar.

Recife é um trem tão doido
que, oxe!
Nem sei cantar!

É QUANDO!

Hojanhã.
Amanoje.

ACLIVE

A todo tempo em aclive
os atentos pedem
coisas sublimes
que os distraídos perdem.

CAMINHO

Ando com o passo
de domingo na praça,
e quem me vê acha graça
e natural que seja assim.

Ando secreto astronauta
que já sente (muito) a falta
de um planeta carmim.

De um planeta escalar-te.
Subir-te por dentro.
Roubar-te de ti.

Que não vê gravidade
no muito alegrar-se
o de perto de mim.

E oxalá só a paz se hasteie
e nada se baseie
no avesso dos povos.

Que com Graça
só o bem floreça
e que sempre aconteçam
amores novos.


Cinema São Luiz, 20 de fevereiro de 2019.

FEITO

Para Tom.


Feto feito
perfeito
com o defeito
de que eivado.

Feto
feito perfeito
e nós
sem suspeitá-lo.

Feto feito
perfeito
quando nós 
já o amávamos.

Veio
feito perfeito
estimular o veio
de ampararmos.

Bebê
feito branco
feito de preto
e tal.

Bebê
visto de perto
escada rolante
astral.

Bebê-feito
grande
como grande
é o invisível.

Bebê
feito perfeito
como tratado 
em espírito.



Recife, 16 de fevereiro de 2019.

CORTEJO

O cortejo
vela o beijo
que não te dei.

Vela toda
oportunidade 
que desperdicei.

Vela a vela
plenipotenciária
que não icei.

O cortejo sabe
o que não foi,
o que não sei.

O cortejo é
indício firme
de que errei.

O Tempo é mera ilusão
mas o amigo mais aflitivo.
O Tempo pelo derramamento
do teu empenho volitivo.

Homens de boa vontade,
façam-na motriz.
E verão que nunca é tarde
pra tanto que sempre se quis.


Recife, 10 de fevereiro de 2019.

BRUMAS

Para a Desvale

A Lama clama
a dignidade dos homens.
Choram lama os frágeis olhos
dos homens de outro nome.

Abrigam-se os homens frios
sob montanhas de papel.
Papel-moeda, infame,
que lhes faz as vezes de céu.

Não lhes doem as mulheres,
os bichos, as crianças.
Não lhes dói que o resto de nós
viva apenas de esperança.

Seu bel prazer foi filtrado,
exportado, aplicado, depositado.
Dos restos do mal que fizeram
vamos morrer afogados.

Não se dão conta das contas que fazem,
que mais não fazem que se distrair.
Nada é só o que parece,
e nada termina aqui.

Ninguém desfaz impune
de outros seres, de seu valor.
Ninguém fica pra sempre imune
ao mal que perpetrou.

Não há escafandro que os poupe
da ceifa vã por mais grana.
Não há teoria, alvará,
nem nenhum filigrana.

Nada pode ser flexível
na prevenção do mal.
Quer seja mal privado,
quer seja mal estatal.

Nada de elevar a raposa
a vigia do galinheiro.
De se desfazer em parte
do que deve ser inteiro.

A lição é dura, amarga,
mas impõe-se este princípio:
o mal mais bem combatido
é o prevenido desde o início.

RES VERSO

O básico.
O puro.
O límpido.
O elementar.

O imprescindível.
O de que se tem sede.
O de que se vive.
O com que se limpa.

O que nutre a vida!

Do verso me alimento.
Nele me dessedento.
O verso ainda quando tormento
é todo bálsamo.

Versos porque estou pronto.
Versos porque me falto.
Os do aeronauta na nuvem,
os do menino no asfalto.

Chovam versos sobre a ausência,
e que os encontros abundem.
E que seus versos não tardem,
que a fera do tempo ruge.



Recife, 20 de janeiro de 2019.

SONHANDA

Parece longe à fome
o dia de saciar-se.
Parece-lhe, a ela,
a nada confinar-se.

À natureza parece-lhe sempre
que a fome nunca excedeu seus recursos.
E que não é culpa sua
o mal que se distribuem.

Com o amor a coisa não é outra!
Tanta gente a escutar
quanto há gente rouca.

Roucas do muito gritarem
o lastro de sua intenção.
Depois loucas do expiarem
a inevitável frustração.

Porque quem quer suavidade
não grita, sussurra!
Quem grita não acalenta,
assusta!

Sonhos são pro acalanto,
são pro canto,
não exasperam.
Exasperar é coisa pra pesadelos!

(Os sonhos afagam os cílios,
não doem nos cotovelos).

Os sonhos não pedem ajuste,
são o natural concerto.
Os sonhos não têm fim,
apenas tiveram começo.

Os sonhos, paz que são,
são o caminho.
E os sonhos só são sãos
se não são os de um sozinho.



Recife, 17/1/2019.

PERNAMBUCO

Para Dra. Glysse, Tom e os demais pernambucanos.



Uma bandeira com sol e estrela.
Um Bandeira de lindos versos.
Pernambuco não está pra brincadeira!

Mas está muito pra brincar!
Pernambuco tem dessa alegria
de fazer o dia clarear.
Uma alegria de si intensa.

(Como a de Gonzagão, Lenine, Alceu Valença!)

Pernambuco, desde Petrolina,
tem desses sotaques porretas,
de me fazer querer afagar.

Pernambuco me abraça na estagiária,
no assessor do juiz.
Na sua parte que não segue planos*,
que é sua parte de fato feliz.

Quer seja sua parte congênita,
quer seja a provinda do Piauí.
Pernambuco é uma doce pimenta
(mais doce do que fora Elis!)

Pernambuco vindo de uma quase Rússia.
Pernambuco do Cabral Capibaribe.
Pernambuco que adotou Suassuna.
Pernambuco que só não morre porque vive!

Tão espoliado quanto o Brasil,
e seus irmãos de cativeiro.
Pernambuco achou forte aliada
na folia de fevereiro.

(E no Maracatu, no MangueBeat, no Frevo!)

Pernambuco, você é lindo!,
mesmo se não é lindeiro.
E é minha terra de gratidão límpida
por ter-me dado o pugilista guerreiro.

EXISTE UM LUGAR

Tudo parte meu pobre coração.
Parte por acaso,
não parte por intenção.

Uma criança que não está solta.
Um braço sem violão.
Um laço sem (os) presentes.
Abraço sem doação.

Que não doe nada quem tudo pode.
Que tanto peça quem precisa.
Que haja tumulto sem festa.
E muito mais carros que avenidas.

Que se passeie sem sentir os pés.
Que se dê mais satisfação que se tem.
Que se viva tanto de imagem.
E pouco de muito se ser.

Mas solitário andar por entre a gente 
é o que sempre se fez.
E é melhor fitar o horizonte,
que desistir é perecer!



Recife, 6/1/2019.

ESPERANÇA

"Só faz milagres
 quem crê que faz milagres" - Zeca Baleiro

Para Tom.

A Esperança paira irreclusa,
imorredoura.
Sobre tudo que se conclua,
tudo que lhe seja masmorra.

Com a Esperança me escapo,
livre da apreensão.
A Esperança é minha verdade,
de que não cabe interpelação.

A Esperança ninguém rebate,
a Esperança é encarnação.
A Esperança não tem quilates,
ela é a mãe da prospecção.

A Esperança não é um achado,
é o próprio dar-se à compreensão. 
A Esperança ninguém abate,
é o almirante da provação.

A Esperança é um refulgente mirante,
perpétuo, sobre a Criação. 
A Esperança quer que me adapte
a que meus sonhos são sonhos sãos.



Hospital Espiritual Maria Cláudia Martins,
Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco.
5/1/2019.

ATRAVESSANTES

Para Tom.


Meu filho,
segura na mão que Deus deu.
Ela é presente seu.


Ela é o céu de agora.
A horta, o pomar.
Ela vem em sua ajuda,
para te acalentar.

Meu filho, não espere
sinais mais claros que isso.
O que Deus sempre soube e sabe
é distribuir o serviço.

Sou seu colaborador,
por disposição divina.
E a missão do que te falo
é aprender o que ensino.

Você é meu professor
até se não percebeu.
E este sou seu aluno,
de toda lição que recebeu.

Desde a mais imediata,
só de você me aportar.
Eu nunca soubera ser porto
da embarcação de amar.

Agora sou versado em mares,
em ver conter a gota o oceano.
Não sou pirata nem corsário,
pois sei que respondo a um Plano.

E que navegar não é preciso,
não é exato nem fácil.
Mas, filho, conte comigo
para adoçar o salgado.


Recife, 28/12/2018.

ABRAÇO

O abraço é o predestinado
da reciprocidade.
O abraço tem o hábito
de extinguir as saudades.

O abraço bem dado
também as planta pro futuro.
O abraço é a claridade
que põe termo ao escuro.

O abraço é a energia
que melhor se aplica.
O abraço é a cura
que ninguém explica.

Do abraço ninguém cogita,
ele apenas se sente.
O abraço torna as partes
o dobro de gente.

O abraço nos multiplica
quando a gente se divide.
O abraço acende as auras
pra que assim se vejam.

O abraço, das riquezas,
é a mais acessível.
O abraço sempre dado
torna a vida incrível!


João Pessoa, 24/12/2018.

UM GALEGO

Para Tom.

Galego feito o pai,
o que mais me apraz
é vê-lo atento.

(Atento pode o rebento
aproveitar seu advento)

Qualquer dia na boa Escola,
cercado de cores,
amado e com bons instrutores,
vale mais que um século no escuro.

O escuro é um triste escudo
de que o covarde se vale,
se invalidando.
Só pode ser bom combate 
o que de fato se está travando.

Faça dos músculos tudo que pode,
tudo que deixarem.
E verá como a vida lhe acerta
um beijo cruzado no queixo.

Empreste a cabecinha,
como possa, ao entendimento.
Verá que o céu de sua casa
é o próprio firmamento.

Não tenha medo de provas,
de mostrar o que é.
Nem medo das más apostas
dos que julgam estarem de pé.

Julgamentos todos que fazem
fazem sem que possam.
O empenho é a recompensa
de todos que se esforçam.

Empenho premia!
Empenho atravessa a noite,
atravessa pro dia!

Meu filho, sou muito teu,
como és muito de Maria.
Meu filho sigamos cheios
da Graça que se avizinha.


Recife, 21/12/2018.