quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

domingo, 27 de dezembro de 2020

UTOPIA

Para Tom.


Dei chance ao azar
e deu sorte.
De onde eu sou não é tão sul,
pra onde fui não é bem norte.

(Umas zonas intermédias
bem mais vida do que morte).

A vida encerra seu fim,
e seu fim torna-a outra.
São coisas tão metafísicas
que não será da minha boca...

Mas o velho tema do amor ressurge
do âmago de si mesmo.
Brotando de onde havia
ou implantando o desvelo.

Nada como parecia,
e muito bom de todo jeito.
Como toda e qualquer companhia
vai-nos tornando perfeitos.

Aquele destino que nunca chega
mas aponta a direção.
E não passo mesmo disso,
que me falta muito chão. 

sábado, 26 de dezembro de 2020

À FRANCESA

O amor não acaba,
desacontece.
Quando o que o tecia
arrefece.

O amor não sabia;
eram pérolas de chuva
do país que não chovia.

O amor aquecia,
mas o fogo mal nutrido
esfria.

Não houve guerra,
nem jamais haveria.
Não havia canhões
ou artilharia.

Havia flores,
umas em botão,
outras só de espinho.

Mas o amor,
cego recente,
não enxergou o caminho.

O amor não acaba;
o amor eu trago comigo.
O amor aqui sou eu
e tudo que avizinho.

O amor não se reparte,
o amor decola, 
arremete.

O amor sobrevoa.
O amor paira.
E quem no amor não investe
do amor se separa.

TÊM MEDO

 O medo os alcança, súbito.

Têm medo de dormir
e já não acordar.

Têm medo de, dormindo,
acabarem acordando.

E de tanto medo já não dormem...

E nunca acordam!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

FOMENTO

 Não é sem motivo
o abrigo que te dou.
E nunca te contei
o que seu riso confessou.

Nem temores.
Nem avisos.
Nem nunca um riso frouxo
foi vitrine de algum siso.

O riso é um estandarte plúrimo.
Flâmula da insânia.
Painel da alegria.
(Nem percebeu sua dor
 o que morreu porque ria).

Nada de boca às escâncaras,
que num arco se continha.
Mas aqueles olhos num brilho
capaz de acender o dia.

Isso tudo ia eu pensando,
atravessando a pandemia.
E pensando em qualquer plano
que nos adiantasse a vacina.

Mas nem apenas dela se trata
num mundo ainda pejado do mal.
Num país desgovernado
sob um mentecapto, um boçal.

A realidade não tem modos,
não tem respeito pelo sonho.
Nem pelo que sonho acordado
nem pelo que vejo em outro plano.

Mas ao Amor tudo é possível.
(Foi o Amor que falou)
Difícil é disseminá-lo
sob essa espécie de torpor

que é nevoeiro para os homens
mas não chega a iludir o tempo
de nos dedicarmos aos homens,
que só precisam de fomento.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

À TOA

 Não domino métodos
mas escrevo versos
(como vivemos sem saber).

Prescindo assim de licença
quando cismo de escrever.

Se a ideia me parece boa, divido,
o que resulta em multiplicar.

E isso me parece bastante
à liberdade de criar.

LUSCÍNIA

 Na madrugada,
sem sono,
choro de felicidade.

Choro em louvor da oportunidade.
Inclusive da de saber enxergá-la.
Quem passa pela vida sem vê-la
vela-a, quando deveria criá-la.

Um sol por dia,
e cada posição é única.
Não vale mais a da túnica,
nem a do escritório,
nem a do pincel.

Vale tanto quanto outro
qualquer trabalho sob o céu.
Todos são chance pro autotrabalho
e pro trabalho em prol.

Não canta menos a formiguinha
porque audível o rouxinol.
Onde estão seus ouvidos de ouvir?

Há pernas de ir-se,
pernas de vir.
A oportunidade sagrada da deambulação,
do movimento.

Há chances imperceptíveis
como há chances de portento.
Amigo, eu só aviso:
Não deixe passar o tempo!

sábado, 19 de dezembro de 2020

SÁBADO

Receia o trovão
mas a pura chuva a deslumbra.
Esconde-se.
Arruma-se.

Não se agasta a gata
mais do que precisa.
É voltar a brisa
e ela já se espalha.

A música é a musa da festa,
que a espia pela freta
de uma pequena grande alegria.

A de estar vivo.
A de também ser leonino
e poder ver nascer o dia

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

DELÍRIO

Sonhei conosco
e éramos outra gente.
Como num alvoroço
de final de expediente.

Em que se celebra
não se ter o quê nem onde.
Uma minha parte confusa
em que a alegria se esconde.

Ou sou todo confuso
e a alegria uma incerteza.
Nunca terá sido pura.
Nunca terá sido inteira.

Eu tento despertar
mas não possuo essa destreza.
(Quando o sonho é necessário
não se pode virar a mesa).

Não há saída,
nem é lugar de morar.
No sonho a vida é solta,
é de escorrer ou sublimar.

Quando acordo não é que foi nada,
é que foi "apenas".
Os símbolos já não estão lá,
não há nada que me renda.

Nem eu me rendo a nada,
na ilusão de ser livre.
E este sonho, que não lhe contei,
foi igual a outros que tive.

domingo, 6 de dezembro de 2020

ALGO RITMO

 Algo em sua maneira de falar
dispensa acordes
mas a canção soa.

Algo em sua maneira de sorrir
dispensa versos
e  o poema se entoa.

Faz meu coração trabalhar
enquanto fico à toa.

Sou rede,
brisa,
abolição do siso.

Sou uma alegria por dia
mas o dia todo nisso.

Sou Paraíba desde Minas.
Sou fogo
(mesmo depois de cinzas).

Crepito.
Ardo.
E palpito que não tardo
em banhar os pés no mar.

(a devassar a retina o Oceano!)

Imagino que a pandemia é de sabor.
É de cheiros.
Do tato do corpo inteiro!

De gozos misteriosos.
De doces mistérios gozosos.

Mas mais que adivinhar eu faço!

(E deixa a vida consentir
 procê ver se não parto!)



quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

NICHTS

Fugiu poesia.
Fugiu verso.
Eu agora não falo
o que calado converso.

Bandeira de time
sobre o caixão do poeta.
Prestes à combustão
o que antes fora atleta.

Moro nas asas do tempo,
perto da cara do meu filho.
Nunca sei o que tento.
Apenas sei se consigo.

E os dias escapam
de onde nunca estiveram presos.
Só não escapam nos calabouços,
onde prendem os dedos.

Só a imaginação é forra,
nascida livre e rica.
Faz abrir a cabeça
sobre o coração que palpita.

Há vida há esperança,
mesmo pra parede cinza.
Cores vivas e desrespeitosas
vão derramar-se-lhe em cima.

Eu com minhas cismas, Baleiro:
"Pra que os trilhos se não passa o trem?"
E este poema não diz nada,
que é só o que digo até ano que vem.