quarta-feira, 29 de maio de 2013

META FÍSICO



A palavra grafada
me lança numa comoção!
Mais do que à falada,
dou-lhe laivos de religião.

Não há seita,
mas há, contudo, fiéis.
E é de simples receita:
lápis, canetas, papéis.

Tampouco há sacerdotes,
ministros de qualquer jaez;
embora haja, de porte,
artífices do português.

Não há relíquias,
nem se dão espórtulas.
É transpiração líquida
e mãos à obra!

segunda-feira, 27 de maio de 2013

UMA PARTIDA



É no cansaço que sinto
puxar-me o laço que me prende à vida;
eu do esforço lasso,
e tanta gente entretida.

Sinto do dia o mormaço,
me parece a estrada comprida.
Vivo a beira, a poeira,
mas um dia eu a deixo, vencida.

E pego esse outro caminho
que me há de levar mais além;
onde estarei liberto do vício,
este que aqui me entretém. 

Já não haverá alívio em pena,
não haverá experiência,
de nada estarei refém. 
E me abrirei sem  braços, só alma!
E até uma próxima vez!

sábado, 25 de maio de 2013

JACTÂNCIA



Minha poesia é jactância,
não conheço outras instâncias,
ou procedimentos diversos.

Só sei fazê-la com constância,
e o que a pena lança,
lança sem recesso.

E a pena é lápis, caneta,
e não há bebês de proveta,
nasce do amor pro papel.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

só Te pego lá fora!



Nascem, casam-se e morrem,
e assim eu vou à Igreja.
E a cada etapa que avançam
pode ser que o Senhor me veja.

Queria pedir-Lhe, Senhor,
que nos entrevistássemos em outra parte;
porque com tanta ladainha
eu não me sinto à vontade.

Que seja sítio livre,
sem tanta contrição.
E onde havendo o que me agite
eu solte um belo palavrão!

Palavrões são grandes palavras
pros momentos de aflição;
e também dão alívio à alma,
como outra qualquer oração.

Então, Meu Senhor, eu Lhe peço:
deixemos de paramentos!
E sem amarras, o que prefiro,
profiro o que me dá alento.

E pra quem, Louvado Senhor,
nesta conversa não nos ouviu,
reverbero, em hora de espanto,
um bom puta que pariu!

O Senhor está em tudo,
não só na segunda do plural;
então este pequeno poema
não tem por quê pegar mal!


terça-feira, 21 de maio de 2013

AOS CORAÇÕES PARTIDOS


O amor não compete,
mas nos compete a todos.
Sabe-o o sabiá,
sabe-o o tordo.

E a quem competiria
retirar-nos do jogo?
É jogo sem regra ou juiz,
jogo de cativos e forros.

Organizemos as torcidas,
não nos agrada causar transtornos.
E acabada mais uma partida
os partidos começam de novo.

E essa tem sido a história,
sob o céu não haverá nada novo.
Então lápis de cor sobre a mesa,
não há proveito em guardá-los no estojo.

domingo, 19 de maio de 2013

PRECIPITAÇÃO


Se precisas me mudar pra que te sirva
não te sirvo!
Não se põe elevador em precipício!

E se te furtas à queda
é que não te entregas,
o que não me convém.

O que me convém é coragem
(a vida arde, faz-se tarde!),
infeliz de quem não tem!

Precipito-me no risco;
o mundo é mesmo arisco, 
mas isso não me detém!

Então fique protegida
que vou curar as feridas
com quem também as tem!

sábado, 18 de maio de 2013

Flecha Partida


A indiferença é uma flecha,
e ai de quem for vitimado!
Abre-se o corpo em fenda
e o sangue não pode ser estancado.

E aquele que se ofende
não quer ver o mal extirpado
mas retirar-se do jogo
em perpétuos ares de enfado!

Mas a indiferença é outra flecha,
flecha que não me feriu!
Flecha que fez a curva
e nunca de novo se viu!

Ou flecha que partida partiu...

sexta-feira, 17 de maio de 2013

PLURAIS


"Nós" de você e eu
não é plural de modéstia;
se se aparta um momento
vejo abreviar-se a festa...

Alegria singular
dá-me a nossa conjugação;
e se a vejo assomar
abrevia-se a desolação!

Sobre a soma de eu e você
vou falar de modo esquemático:
Juntando-se você a mim
o plural é majestático!

quarta-feira, 15 de maio de 2013

EM INTENÇÃO DO SOL



Não ligo de fazer frio,
desde que também faça sol!
Preciso de luminosidade
da aurora ao arrebol.

Não posso ficar no escuro!
Gastar assim o presente...
Quero um aceso futuro!
Que desde já se apresente.

Então que o carro de Hélio, Faetonte,
res furtiva, não se dê a retardos.
E venha Apolo ao horizonte,
num dia bonito e claro!

terça-feira, 14 de maio de 2013

PERNAS AO MUNDO


Orna, menino, a vida
com alguma doce palavra.
E saiba que a felicidade
é coisa da nossa lavra.

Não carece, dessa forma,
nem adianta procurá-la.
Ela é coisa que se tece,
invento de dentro de casa.

Então escancare a janela,
e vê se respira profundo!
Abre os olhos e os braços
e vá-se, pernas ao mundo!

PRAQUI PRAJÁ


                                     "Dolores, dólares..."

Até o mais feliz precisa do dinheiro que tem,
e os infelizes, até do que não têm.
Mas um belo dia eu fujo noutro trem,
ou cruzo o canal a nado, serve também!

Cruzo a nado e me esbaldo
no esforço baldo de ser feliz,
que ser feliz dispensa esforço,
é investir o corpo, viver o triz.

Nesta terra ou naquela,
tudo me dá igual!
O negócio é você comigo,
nada mais fundamental...

Mas tem gente que vive outro triz,
sempre um tico distante
de tudo que sempre quis!
Mas me sinto pronto (quanto ao ponto);
eu já posso ser feliz!

domingo, 12 de maio de 2013

MALSABER



É preciso malsaber
o que bem ou mal nos espera
pra se bem-querer.

E como não se deixar encantado
pelo olhar melífluo
do adolescente apaixonado?

E não fico transtornado
se o agora tão vivido
será depois apenas lembrado.

Vivam o amor agora,
e vivam a vera!
E que importa se depois
não será mais o que era?

sábado, 11 de maio de 2013

UM CASO DIZ TUDO (DECANTAÇÃO)


Meu sonho de poetinha
é o de ser estudado,
e um dia cravar-me com afinco
no seio dos colegiados.

Poeta mediano,

não tenho outra aspiração
além de ser decantado
nos cursos de graduação.

Tenho um sonho diminuto,

não me faço de rogado.
Meu sonho, mas desde pequeno,
é o de ser bem interpretado.

E quem sabe se assim, um dia,

num banco perdido de escola,
outro menino não aprende
com o que o poeta elabora...

sexta-feira, 10 de maio de 2013

NOS RENDAMOS



Eu às vezes tenho vontade
de tomar um aprendiz,
mas, olhando bem de perto,
eu nem de mim sei o que fiz.

E o meu aprendiz estaria
em incorporação de que ofício?
Se não nutro habilidades
e só me exercito no vício?

Meu vício de derramar-me,
minha pena: a de expressão!
Da alegria, da dor, da espera,
do quanto porte o coração.

Se não tenho o que ensinar,
talvez com ele eu aprenda.
E o investimento em interação
assim pode ser que nos renda.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

INTERAÇÃO II


Tenho muito pensado
em como não tenho rumado
numa certa direção.

E fico penalizado
do futuro antecipado,
esquecido em solidão.

Mas pode ser qu'inda dê frutos,
e aí então o futuro
será doce interação.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

DEU-SE OCASO


Cumpro nos dias,
longos por essa maneira,
espera aflita pela colheita.

Nada tendo semeado,
não sei o que me espera,
e serei assim brindado
com o que me der a terra.

Não fui homem de sementes,
de aragens, plantação.
E será sozinha, deprimente,
minha hora de infiltrar o chão.

ESPÍRITO



Com um coração divido em quatro,
por que seria eu indiviso?
Não veem que o desejo mais comum,
por sê-lo, é o de mais de um?

Por que tanto amor ao compacto
se em dividir-se há repartição?
E não é o que sempre pregaram,
o dever de dividir o pão?

Às vezes sinto-me tão espírito!
Mais até do que o corpo comporta.
E não o podendo encarnar a meu alvedrio,
vivo à espreita de abrir-se a porta.

A porta mais aberta,
a abertura que me deleita,
é a de ver-me inspirado.
E você, por favor, sem desfeita!

segunda-feira, 6 de maio de 2013

OFERTA



Eu sou poeta besta,
poeta de dizer-se em verso.
Poeta que não me aprimoro
porque este pouco não me dá recesso!

Por que desnudar-me em linhas
que se dividem e concatenam
se, faltando-me real talento,
assim não deixo de ser pequeno?

Que só viva para admirá-los,
aos poetas de expressão!
Porque afilhado que não tem padrinho
acaba morrendo pagão.

Mas como morro não me importa!
Mais me importa estar vivo!
E como o faço a pena torta
quer dividir consigo.

Aceita?

domingo, 5 de maio de 2013

Da Lira


O mal do poeta
não é que o poeta seduz,
mas que se apaixona
na velocidade da luz!

Dos traços finos que a moça coça,
dos perfumes que na tarde aspira,
do som melífluo que a menina ria,
de tudo o poeta quer amostra!

Mas não desista a moça do que se apresenta,
em sinceridade, de harpa na mão.
E se no amor não há jamais sucesso,
o sucesso é certo na canção.

sábado, 4 de maio de 2013

LOUCURA BRAVA



Em ti não quero mandar,
nem te quero obedecer.
Quero sentar, impassível,
e te ver esbravejar, ensandecer.
E em fúria, transtornada,
ver-te de beleza excessiva,
derramada.

Entorna os discos todos ao chão,
e faz música da minha vida!
E seja para mim harpas a televisão,
para te ver entretida.

Entre ter-te em balbúrdia, ou
manter a casa na ordem no dia,
não me demora nem um segundo
optar pela alegria.

Ah, mas meu desejo me dá bode!
Não é coisa pra só mais um dia!
E o coração não se importa,
nem deseja alforria.

Prefere à vida morta
na escravidão esquecer-se.
E a minha alma, de querer-te torta,
faz o que pra merecer-te?

sexta-feira, 3 de maio de 2013

DOU BANDEIRA


Grande Manoel pequeno,
fazendo grandes banquetes
onde os tolos veem feno;
fazendo idílio do amoroso,
amor do obsceno.

Pequeno Manoel grande,
de tudo tirando forças,
do já forte em si e do exangue.

Grande pequeno Manoel,
extraindo diamantes
de minas só de papel.

E quero ao mesmo tempo,
agora!,
tudo o que feito antes
pelo grande Manoel pequeno,
o de simplicidade gigante!

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Danado


Muita gente neste mundo...
...até Raimundo!
Muita gente no planeta...
...até Tieta!
Muita gente sobre a Terra...
...até Roberta!
Mas me parece deserta
se a moça não está!

E por onde andará?!
Na oitava arte da quentura,
e vai saber se em diabrura,
ou sem em nuvens, angelical.

Fosse tão alva e nem era minha,
e nem à rima me servia,
se não pudesse ser obrada!

Então deixe as terras da lonjura
e aceite ser, com ternura,
minha moça endiabrada!