domingo, 24 de maio de 2020

VERDE LUME (Dimensão)


"O que viesse, vinha;
Tudo não é sina?"
Tudo não era senão
aquilo que nos convinha.


Toleima insistir no "não!".
O "sim!" escorre fácil
bordado da minha mão.


Os tempos são de ser.
Perecer é pressa,
errada impressão. 


(O certo é dar-se aos céus,
como o mais inflado balão).


O dirigível sabe a chama.
O motor sabe a explosão.
A poesia até se não sabe
sabe a que dar expressão.


A quedar-se solta.
A roçar o céu da boca,
ou plantar as sementes do sonho.


(A poesia ceifa colheitas
de que ninguém será dono.)


O pensamento é livre.
A atmosfera é que dele se tinge.
E eu sou tinto, retinto,
sou delírio. 


Sou a matéria mais etérea
de que se não faz o siso.
Não tenho crivo,
navego.


Abro um verde lume
através das retinas do cego.
Sigo!
Alimento-me do meu pão.


E agora as linhas me faltam,
mas sigo em outra dimensão.

sábado, 23 de maio de 2020

DENTRO


A noite cai,
mas a madrugada vai alta.
O Sol também se levanta.
A tarde faz-me falta.


Na tarde sonho acordado.
Sei ao certo que estou vivo.
Triunfo sobre meu estado.
O sonho faz-se cumprido. 


Dentro o tempo não passa.
Não vai porque não veio.
Dentro é tudo graça.
Estou-me de permeio. 


Banha-me a luz intestina.
Vasculho o mais recôndito.
Às vezes é tudo tão claro!
Às vezes emerjo atônito.


São estradas viscerais,
mas caminhos da alma.
É real tudo que encontrar.
Ali a verdade exala. 


Olfato.
Audição.
Tato, paladar, visão.


É tudo uno!
E tudo me transporta.
Pouco importa se com o aspecto iludo
quem não pode achar a porta. 


Vou-me sonda.
Estou-me espaçonave.
E quando vier-me a onda
pode ser que embarque.


Que me faça mar,
provindo do oceano.
Da profundeza pra margem:


Desperto.
Ativo.
Coragem.

domingo, 10 de maio de 2020

SUBJAZ


O silêncio é de ouro,
mas os olhos veem.
Veem o que não os deteve.
Veem o que não falo ou ouço.


Por mais que se precate.
Por mais que se proteja.
Sempre haverá (perceba!)
uma porta para a impressão.


Porque nos destinamos a sentir,
a sermos revolvidos.
Para envolver, envolvidos,
e sentir chegar, sentir partir.


O mundo marulha.
O mundo ondeia.
E há uma canção no planeta
que durante a noite arrulha.


O pólen ninguém vê,
mas as flores dão-se.
As abelhas se lançam
ao que é o seu mister.


Estou pro que der e vier.
Tento sentir qual é o serviço.
Sem medo do compromisso
com o que a vida me der.


Trabalho.
Sim, por quê não?
Trabalho até o verão.
Trabalhava desde o inverno.


Trabalho e quem viver verá
o meu ascendente terno.

MAIS TERNA


A mais terna lembrança que ostento
é a de não recordar o ventre,
mas saber-me guardado e quente,
indene e feliz futuro rebento.


Foram as armadilhas do tempo
que em poucos meses me extraíram,
pra você conhecer seu filho,
que vinha de vida sedento.


Você foi a "casinfância".
Me protegeu, talvez, da verdade.
Mas na vida nunca é tarde
para se adquirir constância.


"Só a mudança é permanente":
de estado, de plano, de esfera.
A vida não admite espera,
nem se dá por acidente.


O que tenho na minha de fixo,
além da fé que nenhuma dor profana,
é trazer nos lábios o mantra
da alegria de ter-lhe sido


amado
nutrido
cuidado
refeito


Acolhido com tantos defeitos
de que sou pejado (e peço perdão!)
Mas sou denso e jamais rarefeito
quando te deixo meu humilde pleito


de eterna gratidão!

sexta-feira, 8 de maio de 2020

BOA NOVA

#verdelume
#Safrade2020

Como um dia, todo dia,
em que a luz desponta tímida,
fez-se a aurora divina
sobre o império da águia aguerrida.


Em que o orgulho cerrava fileira,
arrogante e ilegítimo,
com o poder tolo e altivo,
em sua espalhada bandeira.


Tempos em que a doçura fez-se carne,
misturando-se aos homens,
que não O sabiam vindo de onde,
e não tardou soar o alarme.


O som mirífico da Boa Nova,
que consolou os humilhados,
mas fez tremer empoderados 

que sentiam passada sua hora.

De tudo fizeram para O tentar,
por Seu trabalho a perder.
Mas quantos O puderam ver

sentiram-nO fulgurar.

O que lhes vinha sobre a Terra
era o pão da comunhão.
O vinho da restauração.
A força que nos eleva.


A Luz que faz leve o fardo
e torna suave o jugo.
É o caminho, eu intuo,
que nos melhora trilharmos.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

VERA(Z)(S)

#verdelume
#Safrade2020


Você não faz o que diz
e eu não digo o que faço.
Ou me escondo no embaraço
ou não sei o que perfiz.

Há teorias sobre a verdade,
quando a verdade só se faz.
A verdade não é loquaz,
desenha-se sobre si.

A verdade não se enfeita
quanto faz a meretriz
ou o folião feliz,
que assim se vê porque aproveita.

A verdade para nenhum proveito
é virtude sem nenhum esforço.
Não fica pronta porque não teve esboço.
Não sabe nada do que é perfeito.

Porque ainda ontem disse o poeta:
semeia frustração a expectativa.
(e nem tente a contradita
do acerto do esteta).

A verdade, em verdade vos digo,
está com o imperfeito!
Que nunca sonhou outro jeito
mais real de estar consigo.

Só pode ser perfectível
e demandar a estrada.
E a mentira, minha cara,
está com quem creia possível

ser perfeito com ou sem discurso.
E vê ciscos em outro olho
sem ver sua trave, da maçã ao sobrolho,
custar-lhe o estado puro.

E mais não faz o que cala
do que disfarçar o que pensa.
E calando a verdade não estás infensa
a assim mesmo adulterá-la.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

APENSO


Penso, tanto que penso
que sou apenso ao conflito.
Penso como todo aflito
que sente como que denso.


Penso e nisso me liberto.
Não dependo da adjacência.
E pode explicá-lo a ciência:
É pensar e já não estou perto.


Se quero estou longínquo,
em terras nunca descobertas.
Em terras minhas de tão ternas,
num vislumbre contínuo.


O tempo não existe de fato.
Dizem mesmo que é ilusão.
Pra que relógio ou outra invenção
para a ilusão de marcá-lo?


Meu sonho é campo imenso,
e ninguém pode medi-lo.
Então melhor admiti-lo,
facultá-lo em lei por extenso.


Viajo à volta do meu quarto,
como tanto Xavier.
E topando o que me vier
vou lançar-me no espaço.


Vou e quero tanto que estou ido.
E ninguém que me procure,
ou se o fizer não se amargure
por eu ser tão acontecido!

sexta-feira, 1 de maio de 2020

JOKER

Nem um grama de atenção,
um quilo de desdém.
A frase decerto é russa
mas é muito minha também.

O princípio do desejo é a falta.
Não me toca o que não vejo.
Nem se a noite toda eu bebo
e a música esteve alta.

Toda questão decorre
de tudo quanto se espera.
Então encostei-lhe a perna
pra nem um grama de sorte.

Eu sou um leão do norte
desde outra encarnação,
em que só habitei o verão
e o frio outonal anda forte.

Mas o afasto com tudo o que penso.
Penso muito naquela mulher
até o dia em que vier
para ao azar estar infenso.