segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

DE VER (Meu pequeno pugilista)

Para Tom.

4 da manhã,
vejo um pedaço do céu
recortado, alto,
pela janela do hotel.

Há nuvens se movendo molemente,
sobre vastas áreas limpas
como num prenúncio
de quase tudo.

Chuva, bonança,
tons de esperança.
Penso no meu pequeno pugilista
que a esta hora também está tomando ar.

Que ares terá?
O de um lutador!
Sim, me pequeno pugilista
tem calções impermeáveis e luvas de vária cor!

Sua luta de principiante
não ornará o televisor.
Não alimentará o vício 
do jogo, das apostas.

Ele está deitado de costas
para todas as impurezas.
Nunca se sentou à mesa
pra qualquer negociação.

Qualquer seu pecado é passado.
Chega livre a este mundo
com a força de que imbuído
todo o recém-nascido.

Não faz muito que clamou por escola,
com os colegas,
as provas, 
produtores de novas lembranças 

Toda escola é assim mesmo:
muito mais lição que recreio.
Mesmo cego e aflito o vejo,
e o vejo de há muito.

Não vou me fixar no tumulto.
Eu atraio silêncios.
Contemplo.
Contemplo!

Não é ser contemplado,
não é ser percebido.
É perceber-se.
Todo fruto quer amadurecer-se.

Meu fruto é como os outros.
Meu coração é alvoroço,
mas alvoroço de paz.

Já de outros carnavais,
e também do que foi sua fenda,
curioso do reencontro.

Eu só agradeço pelo colosso
da sorte de que me acompanho.
Pressentir a água do banho,
as células da pele receptivas.

Como, o mais pleno que já estive,
sou a plena gratidão de agora:
o entendimento antes da prova,
a força antes da hora de precisar amparar.

E as palavras que lanço ao vento
são muitas e muitas flores
que pisei pelo caminho que me trouxe,
protegido dos espinhos.

Pai, sou muito teu filho!
Obrigado pelos olhos de ver.



Recife, 29/11/2018, 4:20. Hotel Central. Boa Vista.

domingo, 2 de dezembro de 2018

TEZ OURO



Para Tom.

Registrar o menino vivo
no tabelionato.
Um momento significativo,
burocrático.

O atendente,
de insegurança burocrática,
pede que se lhe declare
tudo quanto se lhe apresenta.

(Não lidam com documentos?
 Por que não lhes extraem a essência?)

"Tem que ser registrado e carimbado
se quiser voar".
E há de voar o menino Tom
com os pulmões que lhe vêm.

Com sua água aquecida pelo fogo da mãe,
e pelo do pai também.
Por rotas desconhecidas insufladas
pelas surpresas que lhe sobrevirão.

Mas pra botar o nome no mundo
precisa a chancela do Tabelião.
Dá uma fé troncha, documental,
à fé que ele já portava,
sujando sua fé tão própria
de certezas generalizadas.

Mas graças a Deus este pai
sabe o que é educação.
É ajudá-lo a ser-se,
não são coisas de formatação. 

Meu filho, cubra o mundo
com tudo que lhe vai dentro.
Essa verdade que prescinde
de qualquer reconhecimento.

Uma verdade que só se declara
para outra assimilação.
Uma verdade inata,
não uma de carimbo e mata-borrão.

"Não digas nada, sê!",
e sê inteiro.
E esse será, talvez sem registro,
seu tesouro verdadeiro.


Recife, 22/11/2018. 4º Registro Civil do Recife, Boa Vista.

REGATO (por merecer)

Deixe-se ir vagando para onde
os aconteceres vão brotando.
Quaisquer que sejam,
os vá desfrutando.

Descasque a lição,
degluta o gozo.
De qualquer que brote o choro
são águas limpas,
são águas santas.

Às vezes nem precisa tanta!
Às vezes a gotinha te adianta.
Às vezes fecunda-a esperança.

Às vezes os céus são a cobertura,
se aproveita a curvatura,
faz-se horizonte.
Ele é às vezes ponte,
às vezes escada.

Monte à direção,
imprima o sentido.
Ninguém precisa de recibo!,
apenas de dar e receber.

(E este é meu fazer por merecer).



Recife, 22/11/2018, 1:15.

CLARO


Para Tom.


Tava ali tão frágil,
recente.
Tão indefeso ao amor.
Eu não sei o que me acende,
de onde me cai o louvor.

De onde me vêm os cânticos.
Eu não tenho nenhuma certeza
nem nenhuma se reclama.
O amor basta ao que ama,
como basta ao cansado a cama.

Eu sou a profundidade
que não atravessou superfície.
Que tipo de artífice?
Nenhum, a natureza!

Eu não tenho nenhuma destreza,
eu sou acidental.
Sou apenas puro
(não sou ornamental).

Não sou atormentado,
sou o escorrer dos dias,
fluo.
Sou a tranquilidade em alegria.
Sou forasteiro em terra sem fronteira,
sem guardas.

Eu sou a realeza 
de saber que tudo falha,
e ainda assim é tudo muito bonito.
Não vou desperdiçar os momentos(,)
que são as peças do infinito.

Não, peça,
receba!
Essa é a única coisa
que te posso dizer com clareza.


Recife, 20/11/2018, 00:36. Hospital Vasco Lucena.

PINTÔ





Para Tom, agora nascido.

Do Maranhão me perguntam,
como a quem tivesse algumas repostas,
como é amor de pai.

Como posso saber em dois dias
se de tanto nada sei em 39 anos?
Talvez eu pudesse dizer
do amor de pai que me tiveram, me têm.

Do que este entretém
posso dizer, senhorita Daniele,
que é uma vasta loucura.
Loucura súbita, sem mais aquela.

Às vezes parece um desespero,
vontade bruta de chorar.
Às vezes uma tépida ternura,
vontade de muito afagar,
de cheirar, envolver.
Às vezes parece que o mundo
é muito feio para o merecer.

Na boca da pediatra uma condição
é inédita palavra que assusta.
Mas quando penso no que lhe empenho
sei que palavras não o derrubam.

Aqui não temos medo de jargão.
Pra cada tecnicalidade sem cor
um tom novo dá-se à invenção.

E com só 24 horas te falo,
com a confiança de quem o aceita:
Era pra isto tanta espaço 
que eu trazia na palheta.


Recife, 10/11/2018. Hospital Vasco Lucena.
Com um imenso beijo para a companheira Daniele Vaz, em Santa Inês, Maranhão.