sábado, 29 de agosto de 2015

INTERPRETAÇÃO

Estou sem óculos, máscaras,
luvas e protetores de ouvido.
Mas vivo,
tenho vivido.


Ou talvez tenha contraído
bactérias que você desconhece.
Bactérias dessas que descem
ao mais fundo de nós.

Dessas que nos revolvem
e resolvem o problema da muita saúde.
Dando-me certas doenças 
para que me cuide.

Há coisas incorpóreas
que clamam por incorporação.
E coisas que nos vão dentro
e clamam por livramento
da nossa sanguínea prisão.

É preciso inspirar,
mas o que inspiro não prescindo
de expiração.

Expirar-se também!
Expulsar-se de estar-se
o próprio refém.

Ponha-se o mundo, 
e do mundo
interpenetração.

Digo isso,
eu o proponho.
Qual sua interpretação?

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

VITAL

Ouça:
De tudo o que eu quero
(eu quero muito algumas coisas...)

o que quero com mais força
é estar ao pé de si!

E não lhe ponho força alguma
(nunca oponho força bruta),
mas a força da doçura

bem que a pode atrair.

Porque há um mistério gozoso:
Se a orbito é gostoso
ver o dia transcorrer.

Esse é um plano de vida!
Só a glória obtida
pode valer o viver!

Não duvidem!
Posso vê-lo mesmo cego:
Só me detém o féretro!


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

SONOS

Pergunta-me a moça
"o que faço com o sono?".
Esse livro eu escrevo
e em vários tomos!

Porque o sono é a queda mais livre,
a que mais me atrai.
Mas não me cai esse sono,
e eu o procuro demais!

Mas há na noite tanto,
na aparente solidão,
que me cubro com seu manto,
pálio de inspiração.

"Eu faço samba e amor até mais tarde,
e tenho muito sono de manhã".
Disse nosso Chico, matutino,
esparramado em cama ou divã.

Então aceito o destino
de mais sonhar acordado.
Não me parece tragédia,
que tudo tem sempre um bom lado.

Mas à moça digo
que se tem sono durma-o profundo.
E pelo menos restaura-se a moça,
e eu me instauro no mundo.

domingo, 23 de agosto de 2015

DE RECREIO

Não me leio, não me vejo,
não sei o que andei falando.
Sou poeta de recreio,
não de se estar estudando!

Por isso o que escrevo à beça
não traz a beca ao formando.
E se escrevo sem estudo
eis tudo! Do que estou reclamando?

Não reclamo de não ser enquadrado,

dissecado, decantado em teorias.
Pretendê-lo me faria escravo,
e eu só pratico alforrias.

E viva o poeta forro!
O poeta bobo, arauto da alegria!
Só disso precisa o povo,
e não de estorvos de Academia!

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

SERTANEJA

Disse à moça que era a musa da canção.
Respondeu-me "Quem dera!".
Mas é de fato um anteparo
de mortal comparação.

Mas é tudo isso verdade,
talento que não lhe aproveita.
A moça nada sente,
mas eu perco colheitas.

Porque cada flor que deparo
noto, não há socorro,
não ser flor sertaneja.
E o que faço? Corro!

Corro sempre em direção oposta,
mesmo estando as moças dispostas
a núpcias ou aventuras.

Porque o meu filme de ação,
sendo a cidade meu habitat corriqueiro,
não se passa, claro, na cidade.
É um filme sertanejo!

Mas a trilha só pode ser outra,
ficamos assim combinados:
a música não é sertaneja,

pode ser até tango ou fado.

E de fato me enfado
em qualquer outra paragem.
Que vida triste a que levo,
só ter a musa em viagem.

E nem é viagem estradeira,
porque no fim da estrada
já não me espera companheira.

São viagens que faço pra dentro,

nutrindo meu frustro intento
de um dia recuperá-la.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

REMOÇO

A moça disse "beijo!"
Que chance entrevejo!
Ora, um beijo!
O beijo é o que mais desejo!

É mesmo do que precisamos,
de um gasto salutar.
Ouviste falar, acaso,
do esforço muscular?

Preciso gastar a energia
de tudo o que consumo.
Melhor gastá-la em alegria,
dessas de perder o rumo.

E não preciso nem de preparo,
pro recreio não me arrumo.
E não deve ser diferente
em nenhum recanto do mundo.

Beijemos na África, Ásia,
Austrália, América, Suíça, cantões.
Que bom ser feliz sem esforço,
remoço da satisfação!

sábado, 15 de agosto de 2015

FREVO MULHER 2

A farristinha faz folia no meu peito.
Fitas de cores vivas,
sombrinha em punho,
é tudo frevo!

(Fico fevereiro e não me atrevo a resistir!)

E quem disse que o sossego
era o que eu queria aqui?
Meu coração é palco,
e eu digo, sem medo e bem alto:

EU GUARDO O SEU CAMARIM!

Faz a aorta de porta e adentra o recinto,
que os ventrículos são ventríloquos 
da sua interposta expressão.

Fica tudo subvertido!
E daí?! Eu me divirto!
E pra que mais um coração?!

Mas a moça não pula
(me esquecia...)
Vou reinventar a folia,
e há de ficar tão bonita
que decerto me presta adesão!

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

PRA JÁ

Morderam a maçã,
é certeza!
Não reconheço a aspereza
que o mundo vem me apresentar.

Expulso do paraíso,
preso ao desatino,
não tenho pinos para preservar.

Sou herdeiro da loucura.
Vou comer do cacho as uvas,
e acho que vou-me livrar.

Já estava assim quando vim,
eu nunca fui rei aqui!
Não vão poder me julgar.

Livre da condenação,
livre pra, sem danação,
ter os membros todos a amar.

Não os há inferiores,
não os há superiores,
estão todos desejosos
da mudança que é pra já!

terça-feira, 11 de agosto de 2015

COMETA

Meu nome é cometa,
não se comprometa com o que digo.
É tudo soprado no vento,
não sei inventar o siso.

"Joia rara para a multidão",
não recolho o que profiro,
prefiro jogado no chão.

E até no meu último suspiro
faço uma pausa pra declamação.
Pra já me transpor inspirado
ou ver se inspiro recordações.

Não vou deixar gravado em papiro
uma coletânea de boas ações.
E nem em nenhum verso eu insiro
pedido encolhido esperando perdões.

Fica a vida versada,
a palavra cantada,
e é tudo que empenho, 
alegre quinhão.

domingo, 9 de agosto de 2015

ENFANT VETERANO

Vivo entre o que escrevo
e o que escrito.
Vivo calado, sem crivo.
Sem palmas, sem audiência.

Vivo e sei que do que crio
nunca se ocupará a ciência.
Nem renderei nenhum filme,
como sonhou Jon Bon Jovi.

(E esses sonhos de muito alarde
são sempre sonhados bem jovem...)

Porque a gente envelhecendo
só mesmo a pena não cansa,
quanto mais vamos vendo
que não somos criança.

Mas na hora em que me grafo,
sou potente de garfar o mundo.
E posso radicar na infância,
que já existem poetas maduros.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

DE COR ESQUECIDO

Tentei ser atleta
ou guerreiro da palavra,
mas seu campo não se presta
a futebol nem a batalhas.

Mas serve para ser ornada ou rezada,
e casada com o verbo sempre faz oração.
Ou serve para ser cantada,
se ritmada em canção.

Mas não metrifico o que verso
(não sei fazê-lo e portanto não meço),
tenho a palavra bem solta,
tão solta que não a apanham bocas.

Mas um dia morro e renasço,
e quem sabe encarno poeta maior.
E farei versos tão belos
de o mundo sabê-los de cor.

Por hora faço de cor mas esquecido,
sou poeta esmaecido,
sem público ou publicação.

Mas vou trazê-los sempre comigo
pra ver se mantenho aquecido
o fogo fátuo da recordação.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

UNIVERSO INVERSO II

Minha poesia não tem alcance.
Talvez fosse melhor, quem sabe,
dedicar-me a algum romance.
Romance fora das páginas

(que é onde residem as chances!)

Mas fora das páginas já estou, 
ali nunca me grafei.
Só tenho as linhas da vida e
muito fora delas errei.

Mas errei por ter tentado,
por ser tentado, eu acredito,
por tudo quanto percebo
em tudo aquilo que fito.

E de mais a mais não sou poeta,
só sujeito sujeito a inspirações.
E sendo assim nada desperta
em minha pobreza aspirações.

Não me é negado o que não peço,
minha vida é universo inverso.
E sendo livre (não tenho escolha!),
nunca cheguei mas me despeço!

sábado, 1 de agosto de 2015

DESVENDADO

Ninguém quer amor tíbio.
Não existe amor inseguro.
Ninguém quer, parece claro,
um sentir que está no escuro.

Não sei bem o que digo,
talvez não faça o tipo maduro.
Mas sei do que me esconder,
embora não saiba o que procuro.

E nem sei se procura é o segredo;
nem tudo que se procura se acha,
mas  importante é não ter medo
e saber ver do fogo a fumaça.

Porque o amor não dispõe de alarme,
Deus não concedeu esse dispositivo.
Então pode fazer-se tarde
se não tiveres os olhos precisos.

Mas dizem que só navegar é preciso,
o amor tateia em penumbra.
Mas se o tocamos, mesmo vendados,
aos sentidos todos deslumbra.

Então, minha gente, atenta!
O amor pode estar ao seu lado.
Acarretam-se: só consegue quem tenta.
Não deixe o cavalo passar selado.


Santa Inês, 2014.