domingo, 31 de dezembro de 2023

PARUANO

Como outras vezes se pontuou,
o ano novo é uma ilusão oportuna.
E mais oportuno faz o ano
quem o faz novo sem ilusão.

Paruano quero cortar obsessões,
livrar-me de muitas manias.
Paruano quero melhorar o plantio,
para muito mais alegrias.

Paruano quero provar que é melhor ser bom do que esperto;
gentil do que não ser trouxa.
Que muito mais importa como nos investimos
do que com que roupa.

Paruano que meus estudos sejam
para o discernimento, o esclarecimento,
não para a ilusão do brilho
(ou o brilho da ilusão).

E que meu discernimento sirva, antes,
à minha própria transformação.

Paruano que eu sonhe, pense,
sinta e implemente.
Paruano sejamos gente boa,
mas muito mais boa gente.

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

ESCADA

O tempo passa e estou limpando meus óculos.
Limpo-os tanto e não vejo melhor,
nem é melhor o que vejo.

Mas o tempo passa,
percebo.

Estou velho.
Estou cansado.
Sempre estive só,
embora sempre acompanhado.

Mas aprendo.
Tenho aprendido.
E vou levar todo o fruto
para o amanhã prometido.

Pois haverá dias mesmo depois do último.
Não precisa de pressa.
Não adianta o tumulto.

Os dias rastejantes são penosos.
Para os em crisálida, paciência.
E há os dias de voo, em uma nova experiência.

O tempo não para a pedido.
O tempo não para nem eu me dando um tiro.
O tempo é uma escada,
e já me vejo elevado.

Trabalho.
Amor.
Insistência.

Tudo dará resultado. 

sábado, 23 de dezembro de 2023

SE EU FOSSE

Uma noite toda preso à imagem 
do seu coração sob o seio.  
Se eu fosse escultor, pintor ou desenhista,
amanhã algo nascia.

Sangro meu coração todos os dias 
com música comovida.
Sangro-o porque ele precisa.

Por que as coisas impossíveis querem tanto ser tidas?
(elas não querem nada, isso já é mente adoecida).
Adoecida nada! Entristecida talvez...
Deus me livre de, um dia, não sentir nada outra vez.

Sinto porque estou vivo, 
e só me passa o de que necessito
(só o de que dou conta, contudo).

É forçoso que algo se passe.
Sou minha matéria de estudo
e quem não estuda não avança.

Ainda brinco em serviço,
tropeço em minha própria criança.

terça-feira, 19 de dezembro de 2023

CALÇADA (Projeção)



Tanta gente que tem tudo e acha que não tem nada.
A saúde estampada na cara.
A fortaleza exalando da alma.

Essa bênção Deus dá e passa,
mas não justifica desperdiçá-la.
Toda essa gente na calaçada,
distraída na caçada pelo por definição insubsistente.

É a gente não sabendo ser gente,
distraída da essência, divertida da vida.
É o mesmo em Paris e na Paraíba.

Falando a língua do "p", 
desperdiçando o alfabeto.
Uma vida por objetos,
o cerne nos escapando.

Tão boa a chance de ser humanos,
mas somos antes consumidores,
proprietários.

A vida é um imenso,
deslumbrante itinerário,
mas somos os otários do atalho.

domingo, 17 de dezembro de 2023

MEICOPO



Disse o poeta que "é sempre mais difícil dizer 'adeus' quando não há nada mais pra se dizer."

Grazadeus é muitas vezes possível dizer "até logo". Regressar às montanhas com meio copo preenchido com sol, mar, e sotaque. 

Não há laços belos que eu desate. E sempre vou deixar espaço para mais. 

Quem não quer reenergizar-se de quando em quando? Tome Cabo Branco! Tome Tambaú. Tome Bessa. Tome a bença.

Saudade é o nome da doença que o encontro tão fácil pode curar.


João Pessoa, 17/12/23

sábado, 16 de dezembro de 2023

REVERSO



Dia nublado é o reverso:

loS

Em dia nublado me embaralho:

alergia.

Nos dias nublados me falta algo:

energ

Mas o dia nublado queima o tempo.

Dia nublado é dia.

Inverno na Paraíba é quando chove. 

No reverso fica tarde + cedo.


João Pessoa, 15/12/23

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

ALLEGRO VIVACE





Allegro vivace cantado. Não em italiano. Não em alemão.  Em brasileiro arretado.

Ou allegro vivace assobiado. Pelo mar, pelos pássaros.

Dias de sol na Paraíba. Não precisa de cerveja. Não precisa de cachaça. Precisa de água de coco. Dá e não passa.

Mas há vicíos piores, que frustram outras fruições. Este as embala. 

Dias de sol ns Paraíba me dão pauta. Pinto-a toda sem nunca saber se será sinfonia.

Mas percebo que, ao seu som, eu orquestraria toda a vida.


João Pessoa, 14/12/23.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

CÉU DE JOÃO PESSOA




Nuvens de João Pessoa, que pintam o céu sem nublá-lo. Céu da Paraíba, quisera poder carregá-lo. 

Levá-lo comigo sem furtá-lo a outros visitantes. Tê-lo à vista como refresco para os olhos. Lembrança constante de uma visita gozosa.

Tantas lembranças na linha do horizonte e sigo sem destino. Ou com algum destino e apenas sem sabê-lo. Queria encontrar o meu plano, reavê-lo.

Mas a experimentação, desde que atenta, também é maneira de viver. Queria ter senpre o mar, para o escutar sem nada dizer. 

O marulho me arrebata, transporta e ensina. Por isso a beira do mar é minha melhor oficina.


João Pessoa, 13/12/23

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

ETERNO



Ninguém terá para sempre o que, por um instante, é um esplendor. Talvez por mais tempo canse, ou mesmo provoque dor. 

Nem com tudo que nos fascina podemos nos casar. O altar é estreito, não tem mesmo muito lugar.

O tempo gasto imaginando a prorrogação indefinida deste momento tão lindo já tem ares de desperdício.

Está diante do momento? Viva-o!Dê-lhe a beleza de seu empenho,  de sua atenção, seu mergulho.

É assim que se fará eterno. Eu te asseguro!


João Pessoa, 13/12/23

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

RÉGIO (Todo Menino)



Praia em dia de segunda. Turistas, cabeleireiros, trabalhadores noturnos, crianças em benditas férias escolares, professores,  além de toda a boa malta vagabunda.

O Sol e o mar não fecham em dias de segunda. Só é dia de feira no Brasil e para a gente lusa.  Para os outros é dia da Lua. Posso,  portanto, estar lunático nesta tarde de segunda.

Não trabalho nesta cidade, não sou pai, não sou padrinho. Talvez esteja menino, em feira de fim de praia. Férias são para que tudo haja. O Sol brilha, o tempo se dilata. 

Aciono olhos de cronista. Às vezes me sinto "olho vivo, faro fino", e em tudo vejo pista. Algumas eu sigo, outras me despistam. 

A cada muito que posso pensar sinto que me conquisto. Não sei se vale a pena. Não sei se a pena é grande.  Não sei se o médico permite. Mas "todo menino é um rei", e daqui ninguém me demite.


João Pessoa, 11/12/23

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

FRANJA



Caminho à beira-mar cheio de candura. De um lado a Criação, de outro as criaturas. Creio que só Deus empreenderia tão oposta tessitura.

O mar é imenso! A praia é só a franja do oceano. Como o homem terrestre é só porção do humano.

Está diminuto diante de sua mente, como eu diante do mar e suas correntes.

Quisera singrá-lo, explorá-lo, conhecê-lo. Mas, à míngua dos recursos, vou começar por mim mesmo.

Águas turvas, tempestuosas, vou usá-las para o batismo de mim, milagrosas.


João Pessoa,  11/12/23.


domingo, 10 de dezembro de 2023

SENDO LITORAL



Cabelos brancos, mamadeira, bico. Tudo me alegra no que diviso. Todo cabo é de boa esperança. Todo dia, branco. Todo céu, azul.

Todo mundo é criança. A alegria é regente. O mundo parece a serviço da gente. E me inclino a amá-lo, respeitá-lo, conservá-lo.  Para todos os que vivem nele, e os que o reviverão (eu incluído).

Mundão sem porteira, com tudo em cima. Volto mineiro, gaúcho, Paraíba. Volto bem melhor, em escala de sol (não de dó).

Mundo, estamos combinados. Você subsistente, eu reencarnado. Mundo que te quero Mundo Regenerado. 

Não há metáforas, estou sendo litoral.

sábado, 9 de dezembro de 2023

DE CHINELOS




Tambaú
 está onde sempre esteve, antes que eu soubesse que ela fosse.

Tambaú, foi muito amor o que me trouxe. A sensação de ser muito querido, mesmo sem nunca haver quem o expressasse.

Tambaú, algo queria que eu acreditasse. Entrego meu corpo inteiro, mais uma vez, a seu mar tépido. O seu calor me tem intrépido, aquoso e expansivo.

Tambaú, foi preciso você para sentir-me vivo. Para sorrir, para reconhecer-me.

Tambaú, fora impossível que não te merecesse. Faço o meu melhor para ter contigo, uma e outra vez.

Tambaú, toda minha espera é para ver-te resplandecer.


João Pessoa, 9/12/23.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

O TUDO QUE TEMOS

Não somos brinquedos de Deus,
somos suas centelhas.
Lançadas no rumo da perfeição,
e temerosas do desvio. 

Somos, pois, seus filhos,
de orfandade impossível.
Estamos sempre ao abrigo,
os que cremos, e os que não.

Meditemos, então,
na beleza da vida:
Não é comprida, mas eterna,
desde o ponto de partida.

A vida não espera,
não para,
não erra,
ela muito bem endereça.

A vida, hoje, na Terra.
Amanhã, só Deus sabe.
Mas haverá! Haveremos.
Aí está o tudo que temos.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

VERDADE SUMÁRIA

Já as primeiras fotografias, no século XIX,
mentiam ao mundo sobre o mundo.  

Um mundo belo, colorido,vibrante,
posava e esperava pela revelação do que era.

Então descobria-se, segundo lhe diziam,
estático, sem cor, sem graça, e a caminho de nada.

Olha que esse mundo já dispunha de espelhos há milênios,
desde os sumérios, mas preferia a novidade sumária.

Hoje as fotos têm cores, se movem,se filtram.
Muito melhoraram, para mentir melhor.

E o mundo segue o mesmo, cego e atrasado
para as últimas mentiras contadas.

Mentiras não podem ser melhoradas. 

domingo, 12 de novembro de 2023

CANÇÃO POPULAR(ESCA)

A sua sorte
é que beleza não tem limite,
não dá overdose.

A sorte geral
é que sua beleza se nota,
se colhe,
se versa.

Chego a pensar na solidão
como atividade pregressa.
Entendo Vinicius.
Entendo Tom.

E até suporto saber
que o caminho não é o do mar
mas o da selva de pedra
(e sem me chamar).

Mas nada na vida é o tempo todo.
Tampouco a beleza deveria sê-lo.
Não é a primavera.
Não é o sonho.
Nem eram os brinquedos.

Mas o instante ainda existe.
Pulsa, impele,
e minha vida fica completa:
sendo alegre, triste, e admirando os poetas.



sábado, 11 de novembro de 2023

CIRANDA

O adeus é uma ciranda,
e até se não há  música
o adeus é uma dança.
Às vezes se coreografa,
às vezes é espontânea.

Ensaiado, improvisado,
o adeus volta e meia se lança.

O adeus é um bumerangue,
e pra quem não sabe manejar
não pode haver segurança:
Arremessado o bumerangue,
o medo ao solo se lança.

E a vida é solo.
A vida é tranquila.
Coração inteiro,
ou coração roto.

A vida segue
e os acenos são outros.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

UM POUCO

A loucura é um sábio sinal,
um assobio por meio do qual
Deus chama o louco a si.

Mesmo se o louco O nega.
Mesmo se o louco crê.
Mesmo se o louco se crê
ele mesmo o próprio Deus.

E então o louco é chamado
porque não sobrevive ateu.
O louco é divino,
um predestinado do banquete celestino.

(O receio não tem porquê
 onde assiste o recreio)

O louco é quem tem, sim,
raízes nas profundezas.
As tais raízes necessárias
a quem quer tocar o céu.

E o louco se eleva sem cair.
Não cai abaixo do chão,
e às vezes não cai em si.

Não julgue faltar razão
ao ver o louco sorrir.

domingo, 5 de novembro de 2023

ASCENDÊNCIA

Ascendência pernambucana,
és portuguesa, holandesa, ou africana?

Ascendência, isso lá importa?
Aqui é um vasto país, de corredores sem portas.

Nada mais pode ser aclarado,
já tudo está refeito, todos misturados.

Ascendência, de tudo só sei
que tu és o passado.

Ascendência, não me livrei,
mas viverei com os de ao lado.

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

UM A UM

 "Atrás do porto tem uma cidade",
disse-me a bruxa quando era fada.
Ninguém está infenso ao feitiço,
a essa cidade não escapa nada.

De sabê-lo sinto-me enfermiço.
Tento resistir, mas é cediço:
Quem aqui esteve, voltará,
que  só tem água naquela bica.

E a água derramada soa:
"Quem bebe de mim aqui fica!
Uns deixam o coração,
outros plantam descendência.

(estou falando do Espírito,
não lhe aproveitam outras ciências...)"


É preciso nascer da água,
batizar-se com fogo.
É preciso, um a um,
até inteiro esse povo. 

DOMINUS

Janis se banha sem nem água,
sem saber que Jesus passou. 
Não sabe o que é ter dono,
mas não sabe quem é o Senhor.

Quando se dá conta que a fito,
me olha de forma fixa.
Não sei se interessada,
curiosa, ou aflita.

(às vezes olha por sobre mim
de forma assustadiça)

Sua vida parece tão simples,
que nunca eu a poderia complicar.
Mas tenho essa notícia doce,
que lhe quisera comunicar.

Existe um Pastor,
e nenhum de nós está perdido.
Quisera lhe partipar,
mas ainda estou confundido. 

sábado, 14 de outubro de 2023

e obtusos.

O tempo é bruto
e me maltrata.

O tempo é douto
e me ensina.

O tempo antes também seu,
agora nem meu,
menina.

O tempo é o que se deflagra,
e os homens de armas
são sempre malditos 

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

QUÃO NOBRE

Também eu,
quando o rei foi morto,
e o reino dividido,
me contava entre os vivos.

No mesmo mundo,
com tantos mais reis,
quantos eram os reinos surgidos.

Nada foi realmente dividido,
apenas o poder soberano,
entre príncipes que eram primos.

Eu e todo o povo
sobrevivemos sem acesso.
Parece vida,
mas é decesso. 

domingo, 8 de outubro de 2023

SOPRA ONDE QUER

Nada mais belo que o vento,
que só existe pleno. 
Vindo do ar da Graça,
e dissolvido ao jamais.

sábado, 7 de outubro de 2023

CORDIAL

As coisas são feitas para serem esquecidas,
e um dia são mesmo deixadas atrás. 
Pois não consinta em  basear a vida
em suas presenças tão espectrais.

domingo, 1 de outubro de 2023

VERSÃO

Meu coração foi quebrado.
Achei que fora invasão,
mas fora libertado. 

Não fora desilusão,
mas desintegração
do cadeado.

Meu coração segue aberto
e o mundo,
ampliado.

domingo, 24 de setembro de 2023

PÁSSARO

 Ainda que, no desejado revés,
a língua portuguesa fosse a única
a ignorar o vocábulo "saudade",
nenhum de nós haveria de livrar-se solto.

Apenas sofreríamos o inominável,
na angústia da frustração de comunicá-lo,
de pedir ajuda, de compreender.

Cada um nomeando a sua maneira
a consequência inevitável do erro,
do desmazelo, de uma sequência de escolhas infelizes.

Sofreríamos, e a nossa pérola viria
sob a forma de um neologismo redentor,
cada um de nós mãe ou pai da língua,
poeta, criador.

Então nos expressaríamos e enviaríamos aos incautos
fraterno bilhete que os fizesse pressentir o dano,
que os induzisse à cautela, ao cultivo, à jardinagem.

E só assim aquele belo pássaro cantaria
de tal arte que o pudéssemos ouvir.

sábado, 23 de setembro de 2023

REPETIÇÕES

Assististe inerte ao meu afogamento;
ignoraste o meu aceno e deste-me as costas
em vez do lenço.

Fui mais feliz antes de conhecer a fome,
de aprender a saciar-me.
O amor foi o maior azar que veio felicitar-me.

Os sonhos não têm substância,
e por isso nada os desfaz.
A realidade já tem,
e transubstancia-se.

Faz-se nada.
Faz-se quadros na parede.
Faz-se a lembrança estranha
que só é real às vezes.

Outras vezes me pergunto o que seria
se eu fosse meu próprio roteirista.
Garanto que bem melhor do que ser meu próprio cronista.

Isso que tenho feito sempre,
com olhar atento sobre o que a ninguém interessa.
Ninguém tem tempo (só pressa).

Os dias correm, mas não saem do lugar.
Estão lá, sempre os mesmos, quando olhamos para trás.
Mas olhar é escolha, ver é consequência.
É uma constatação que dispensa muita ciência.

A madrugada vai longa,
e eu em nada me elevo.
Toma o tempo que já não tenho
o exercício que aqui encerro.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

NÃO ME MARQUES (Não me Gabo)

Tenho de ti saudades que não sinto
por nenhum ser vivente. 
Tenho de ti saudades que não entende
quem viu a gente.

Sinto saudades como não há quem as sustente,
não há quem as invente.
Nenhum desavisado, nenhum dramaturgo,
taumaturgo de nenhuma espécie.

São saudades que não há quem teça.
E pelos visto serão mais fortes
sempre que anoiteça.
Sempre que eu anoiteça.

(Tão belas são elas que um poeta as enalteça!)

Amaldiçoado, não sei viver,
mas sei lembrar.
Gabriel, só as vivi
para as contar.

domingo, 17 de setembro de 2023

SE ATREVA

A noite se dá espontânea. 
É tão natural quanto é momentânea.
Erra o olho que lhe vê trevas.
A noite está descoberta.

Há estrelas.
Estão mortas algumas,
mas o brilho nos alcança
(como o do Sol, pela Lua).

A noite mais escura
é a que mais se habilita a ser cintilante.
Só o que não entendo
é não o ter visto antes.

sábado, 16 de setembro de 2023

DE ONDE?

 Penso em você, pela proposta mesmo de não pensar,
de não penar, de não dar pena.

Penso em você e a imagem é plena.
Nada deve a sua figura sob o sol,
a seu rosto resplandecente, fulgurante.

Penso em você e a vida perde outro instante.
Mas esse instante é o motivo
(embora o professor não o divisasse...)

Ah, se meu coração se desse novos ares,
respirasse, partisse de novo em viagem.

Ah, quem me dera!
Mas é ancorado na saudade;
saudade, que é melhor que mágoa.

A saudade às vezes se reparte,
interage, cria.
A saudade pulsa, mas não pode ser minha guia.

O cego (mesmo o por escolha)guia-o melhor um cão,
fiel na indigência como na abastança. 
Fiel em moto-contínuo, que nunca se cansa.

Sim, cão-guia é melhor, mas adotei um gato.
Enxergo o melhor que posso, 
e esses são os fatos.



"Esse papo meu tá qualquer coisa
e você tá pra lá de Teerã..."

sábado, 9 de setembro de 2023

FICA SABENDO

A morte não doi.
Já morri milhares de vezes e não me lembro.
O medo da morte não mata, mas impede de viver.
A volúpia de viver não ressuscita. 

O tempo não volta.
Nada se desfaz.
E não há nada natural em se tentar o frankenstein. 

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

HÁ SETE VIDAS

Sempre que me banho, minha gata se posta
diante da porta aberta do banheiro
e contempla o que lhe parece coragem.

Ela sabe que criança eu fui.
Ela me acha um sucesso,
e eu aspiro à sua perfeição.

domingo, 9 de julho de 2023

JUST NAU

Mareado sem barco nem passeio,
atravesso este dia inteiro,
que poderia ser apenas uma hora
(ou o tempo de um recreio de escola).

Nauseado,
cogitabundo;
sinto-me mal em mim
e intruso no mundo.

Quisera tudo limpar (há água).
Expugir os pensamentos,
os ressentimentos,
as mágoas.

Quem dera ser filtrado,
decantado da aflição.
Quem dera estar deitado,
distraído em ilusão. 

sábado, 24 de junho de 2023

POR SENTIR

Quem ama está no paraíso.
Sei que não é possível vê-lo;
antes sei que é possível senti-lo. 

PAUSA DE MIL COMPASSOS

Desce agora o pano
como sobre qualquer carnaval.
E recolhe-se o dos confetes
(a quarta-feira é fatal...).

Viveu bem o Pierrot-Arlequim?
Viveu bem a Colombina.
E mesmo aos que não (se) viveram:
Bem-vindos de volta à sina. 

sábado, 10 de junho de 2023

PLAYLIST

De um lado um denuncia dores que ninguém nunca sentiu.
Do outro um pede socorro por não sentir nada.

O problema do mundo é o egosímo.
Essa é a grande chaga!

Se as dores se somassem e dividessem,
nem muitas,
nem nada!

quinta-feira, 8 de junho de 2023

MUDA

Ela escreve o meu nome sem ternura.
Ela me esquce, a minha namorada muda.

A minha namorada muda.
Toda notícia é boa.
Vale muito o que se sente
e mais um sentimento que se entoa.

O sentimento declamado participa
o que se saiba, o que se viva.
E do que se sabe e vive extrai-se
o que possa ser poesia.

O que se tem a ensinar,
com o que se tem de viver.
Conviver é que é amar
(e amar não é esquecer).

Caro Torquato,
é preciso não dar comida aos urubus.
Não sponte propria; aos urubus
só à minha revelia a glória.

Vou desinfestar o céu
para fazer-lhe festa.
A minha alegria esta à espreita
(e tenho alegria... à beça!)


quinta-feira, 1 de junho de 2023

VENTANAS

 A vida tem portas e janelas
muito mais abertas que se pensa
(ou que se mostram).

Janelas estreitas e largas,
como há gente estreita e larga.
Janelas baixas e altas
(mas nenhuma gente tem asas).

Outras portas parecem travadas,
e já ninguém lembra para que se atravessam.
Ou estão mesmo emperradas,
e só arrombadas se revelam.

Há janelas de correr.
e janelas de empurrar.
Há janelas por que descer
(se o desespero o solicitar).

Não há janelas, se altas, por que subir.
É muito mais fácil cair do que seria escalar.
É então impossível a invadir
aos que somos fáceis de defenestrar.

sábado, 27 de maio de 2023

PULSO

Aproveita o pulso enquanto te lateja.
Amanhã não há tolhas sobre a mesa,  
salvo para os convidados.

Aproveita o pulso enquanto se sente.
Hoje é o último dia para estar ciente
do amor que te dedicam, e do quanto há a trabalhar.

Aproveita o pulso, porque há impulsos
que só a carne te dá.
Não falo dos impulsos em que se perder,
mas de impulsos em que se achar.

Aproveita o pulso, se o percebe.
Investiga sua bomba pulsante.
Fá-lo hoje, se não o fizeste antes.

Aproveita o pulso, aproveita os olhos, vê!
Aproveita a mão e a estenda,
a esquerda inconsciente da direita.

Aproveita os braços, abraça antes que o dia feneça.
É um dia sacrificado todo o que não aproveitas.

Aproveita o pulso sem ritos, desperdícios e vãos simulacros.
Aproveita o dia como farei, quando de novo for-me dado.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

POIS É...

O 69, esse canceriano vertical,
é o verdadeiro "pois é dando que se recebe".


(Francis(a)canamente sexual). 

PEDRAS

A Terra seguirá sua irresistível vocação de translação do Sol
até que um acidente cósmico, por enquanto difícil de imaginar,
venha arrojá-la a outra existência.

Plutão já era o que é bilhões de anos antes de avistado.
Batizado e integrado à hoste dos planetas,
nada mudou em sua essência (que se conheça).
Muito menos mudou-a sua desclassificação.

As pedras são de si mesmas frias.
(Bom mesmo é ter quente o coração). 

domingo, 21 de maio de 2023

O JOÃO

Cabral, achando o Brasil,
achou pedras de cuja existência já se sabia.

E eu também, achando João
(e, no entanto, achei a luz do dia).

 

SOL

A explicação crê-se dada:
Áries
(e ares de praia) 

Boa-nova

E aquela luz veio a lume,
qual discreto perfume
de poderosa impregnação.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

MINUTA

Alteado, em condições,
portanto, de esclarecer, disse:
"Os dias voltam, mas
os minutos são outros."


E grato o percebo, 
atento ao tempo,
a seus desdobramentos.

Atento!
(não em deslumbramento...)

Por uma bênção com trejeitos de maldição,
não consigo me distanciar do meu melhor professor:
os erros de ontem; coadjuvado, ademais,
pelos professores que eu ali já tinha.

Sim! É toda uma Academia.
Toda uma Ciência.
Codiforme, vermelha e pulsante.
Chamejante, instrutiva.

Sei que parece tormento,
mas a isso tenho chamado Vida!

segunda-feira, 15 de maio de 2023

domingo, 14 de maio de 2023

SUSPENSÃO

A madrugada para ler poemas
e escrever maus versos.
A madrugada para ter pena sem ter asa.
A madrugada plena da confissão que arrasa.

Na madrugada, tão meditabundo,
estou de fato falto de tudo em que abundo.
A madrugada, tempo suspenso da ilusão.
Véspera da manhã sem que a manhã exista.

Da madrugada para a tarde,
para a noite, e de volta.
E o tempo se faz sono
e já não noto o que me falta.

TEMP...

Já não há tempo
para diversão da realidade.

Sem amor não vou.
Sem amor não faço.
Sem amor não estou.
Sem amor já não me acham. 

sábado, 29 de abril de 2023

BANCO

Não havia assim tanto sangue
tratando de fazer o corpo funcionar
quanto havia quando caía.
Quando me machucava
e o sangue se esvaía.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

domingo, 23 de abril de 2023

DECERTO

Morrer ao sol nascente.
Ver apagar-se a luz,
e a luz irradiar-se a outros.

Que vivam seus clubes e parques.
Tudo isso é distração.
Eu mergulho na eternidade.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

LÍRIOS

 Nos meus delírios
o Sepultura está reunido,
os Beatles estão vivos,
a arte está nos cimos.

Nos meus delírios estou reunido
(não estou desconjuntado).
Nos meus delírios estou vivo
(nada em mim está sepultado).
Nos meus delírios estou nos cimos
(vejo tudo de cima a baixo).

Eu gosto mas são delírios.
Não gosto e são outros os fatos.

domingo, 2 de abril de 2023

NÃO SE TOCAM

Aos suicidas não se tocam os sinos.
A menos que tenham matado a própria alegria e continuado a sorrir.
A menos que tenham matado a própria luz e sigam tateando.
A menos que tenham matado a própria língua e sigam falando esperanto, em um salão sem melodias e sem cantos.
 

Aos suicidas não se tocam os sinos, mas o tango argentino pode ajudar.
Bem mais que um blues, como disse o Zaratrusta à mão.
E os roqueiros seguem fazendo a revolução desencarnada,
mais velhos do que matar Cristo nas cruzadas.

Aos suicidas não se tocam os sinos porque não podem entender a alegria alcoolica, pela muito simples razão de que ela não existe.
Ela é uma prótese, mas uma prótese que só engana os sentidos dos que também a usam.

Aos suicidas não se tocam os sinos porque estão fartos. 
Envenenados, em queda livre, enforcados, e não têm pulsos.

Aos suicidas não se tocam os sinos porque sinos estão em desuso.

sábado, 1 de abril de 2023

AMOSTRA

Se expresse.
Se é o jeito, incompletamente.
Se precisar, seja indireto.
Também existe essa transitividade.

As coisas estão sempre por se completar.
As pessoas estão sempre por se perfazer.
As frases se fazem de umas e outras,
até se não são orações.

(Se são melhor serem fervorosas.)

Tire de si e já tudo está no mundo.
E o mundo, você sabe,
é uma pirueta por dia.

domingo, 26 de março de 2023

NOITE ADENTRO DIA AFORA

O Sol dando diariamente
a lição da persistência
é muita vez toda a ciência
necessária a estarmos.

Outras é bom a completarmos
com a da noite, que o cobre,
doce, e dá descanso ao nosso
"tentativas e erros".

ÀS vezes é bom nos determos,
olhar pela janela.
Ver se o trajeto é mesmo
o que se desejava.

Pois o trajeto é tudo,
esta estrada.
Não vamos chegar a lugar algum.

Pouco importa o que dizem
os sábios da consumação,
que não são sábios consumados
(não é possível ser um sábio consumado).

O mundo explode de mentores,
mas não é preciso suportá-los.
É preciso nos formarmos,
forjados na dor e na alegria.

Na comunhão.
Na atenção.
Na respiração.

Contemplar.
Buscar entender.
Integrar
e crescer.


sábado, 25 de março de 2023

SE PUDER, MORRA SORRINDO

As alegrias não se requentam
tão bem quanto as pizzas.  
E quem quiser insistir, bem,
quase iludirá os sentidos

que, distraídos,
famintos de satisfação,
vão receber o golpe
como se fosse nutrição.

O passado não nutre.
De passado só vive o abutre.
Mas há um ciclo, todos dizem,
sem que haja forma de o negar.

Morrer, nascer,
colher, plantar.
Com muito mais detalhes
do que qualquer fórmula abrigaria

(E nem posso verter em regra
o que é experiência minha).

Que já vivi,
revivi.
Fingi que não vivia
e fingi que não morri.

E que ainda creio estar lá,
quando nunca saí daqui.

sexta-feira, 24 de março de 2023

FRIAGEM

À junção de água e sede
não devia faltar nada.
Mas o leito do rio secou
e a sede já vem saciada.

Vivo com cuidado:
Um bruto delicado,
com medo de se quebrar.

Enquanto poetas cantam a febre,
levo três dias com frio
sonhando a hora de deitar.

Entoo graças a Deus
pela cama, a coberta,
pelo gato ao pé de mim.

Esta hora é tão conforável
que quisera viver assim.
Noite adentro,
dengo do meu próprio calor.

Gymnopedie nº1 tocando em looping,
que o resto o corpo rejeita.
Nem tenho forças pra esta caneta
(quanto mais mexo, menos se ajeita)

terça-feira, 21 de março de 2023

NÃO TEM DIA

A poesia não tem dia.
A poesia fulgurante,
ou a poesia insípida.

 
A poesia já não será
como antes acontecia.
À margem das efemérides
e das coisas conhecidas.

A poesia que se gritava,
a poesia que se cifrava
a poesia que arrefecia.

A poesia soturna,
a poesia noturna.
A poesia não tem dia.

segunda-feira, 20 de março de 2023

DIAMÔ (Palpitação)

Como são naturais e universais as canções de amor!
A ponto de empolgarem os que não amam
(ou assim creem). 
Quer sejam as sofridas, as espirituosas,
ou as de arrebatamento puro. 

No corpus das canções dos Beatles há mais "love"
do que qualquer outra palavra.
(O amor é uma fase
que pra sempre fica marcada).

O amor quando não é o estado é desejo.
O amor está em tudo de permeio.
Espécie de seiva, acho que só falta
onde a vida se ausenta.


(Amor, insidiosa presença!)

E goteja, vaza em notas e melodias.
O amor, a grande família.
As canções, a companhia,
mesmo até se um pouco amarguradas.

Sem canções e amor não se faz nada!
Não de verdade, embora fingir sempre se possa.

Mas não essa febre,
não (e nem se deve) essa bossa. 
Ausente, o amor é fossa,
que também é aposta (rentosa) da canção.

Não sei cantar.
Não sei tocar,
mas entendo de palpitação.

domingo, 19 de março de 2023

GARRAFA

Madrugada, casa desvairada do pensamento.
A música impede que a escuridão se faça.
Aclara, numa contraordem ao contragenesis.

Madrugada de domingo, antídoto do tempo.
Nada liberta mais do que essa espécie de paralisia.
Olha-se para o passado como para uma vida dentro da vida. 
Não pode ser restaurada, nem pode ser esquecida.


O passado pode ser revivido,
apenas em reinterpretação.
Então alguns acham que era melhor não ter acontecido.
Outros entendem que isso é parte do que vão feitos.

Do passado e seus efeitos.
"The karma cops are coming after you".
São lentos, mas podem ser terríveis.
Que te encontrem trabalhando, dizem.

Eu reelaboro.
Coloro, melhoro.
Tudo fica tão bom que mal se entende ter-se deixado atrás.
O passado, de madrugada, é bonito demais!

Os bêbados fazem ligações,
mas eu sou abstêmio
(então escrevo).

A mensagem na garrafa na deriva da canção do Sting.
Parece que não, mas atinge.

sexta-feira, 17 de março de 2023

4605

 Minas jamais será um quadro na parede. Quanto mais me afasto, mais o vejo. É fato, como o sair da ilha de Saramago.

Minas, que não tem mar, mas tem rio pra todo lado. Rios que eu sequer frequento, mas são fonte de vida e morada do mistério.

Por isso Minas nunca acaba de se entender. Nem com o auxílio compendioso de Rosa, nem se desdobrando Drummond como uma sanfona de trocentos baixos.

Nem com tudo que se entoe por sobre a viola caipira. Em Minas eu não toco campainha. A chave não é emprestada e é molho.

Em Minas eu até me sobro, mas como marca do conforto. Em Minas sou filósofo (e o tempo então nunca está morto).

Minas é o porta-aviões. Dispensa canhões, e é o céu que eu navego. Sol, se feliz. Lua, se circunspecto.

Minas, bem mais que afetos. Minas-sina, Minas-teto. Em Minas minhas, em vias aberto.


Gilberto Freyre (Guararapes), 17/3/23


quarta-feira, 15 de março de 2023

DANÇA (Mamede)

 O mundo às vezes parece querer empurrar-me de volta ao útero. Mas já não há útero à disposição. Então penso em apenas voltar uma estação ou duas.

Mas não posso trocar de lado com este bilhete. Então sento, abro um livro, e procuro extrair o que consigo. 

Deixo passar um trem ou dois. Temo a baldeação de depois e invejo a estupidez desse fumante, que acha que consome algo, enquanto a estupidez o consome. 

Atira, maneiroso, esse resto que é de si próprio. Até afeta propósito, enquanto cai à sarjeta. Depois verá a inundação da rua meneando a cabeça e culpando a prefeitura.

Mas já me distraí mais do que a cena vale. Guardei algo do livro pra mais tarde. Depois de retomar o vagão. Este lugar aconchegante em que não se fuma, nem cigarro, nem espuma, e só há nuvens de preocupação. 

(Tanta cara compungida à cata de explicação).

Ninguém vai achar. Parado o trem é preciso caminhar, ou depressa ou devagar, mas a rua novamente se ganha.

Mais uns passos e já não é tão estranha. Acerto o passo e já até tenho ritmo. Mais até do que acredito. Vou agendar aquela aula de dança.

Recife, 14/3/23

terça-feira, 14 de março de 2023

F#

 O pai da moça (como minha mãe o chamava) dizia que, pra cada carta de amor escrita, uma se queimava. E quem não as queima acumula.

Mas a carta de amor real só se escreve sobre base nula. Não se erige sobre nenhuma, ou é sua própria deturpação.

O amor quando bate tudo a si reclama. Tudo é sua cama, mas cama só sua. O amor que tal não é avenida mas rua, ou é estrada vicinal.

Essa noção não vem de fábrica mas se aprende. O amor é paciente. Tem de ser! O amor sempre empreende.

O amor inventa o mundo. Inventa-o todo, mas segue sendo terra, mesmo se se sente o céu.

Mesmo se seu signo é o fogo, se queima delicioso, se consome sem exaurir.

E porque é terra o amor também erra; porque equívoco e porque vagueia. (O sangue não "errou de veia e se perdeu"?)

Mas e o amor "ainda"? E o amor "de novo"? É também a alegria do povo? Segundo tempo, prorrogação? 

Mais e mais esforços rumo à taça, o amor procura mas não acha, nem nunca dá a coisa por finda.

O amor que não joga a toalha ensina que as coisas infinitas, essas mais que "muito mais que lindas", essas nos salvarão. 

Recife, 13/3/23


sábado, 11 de março de 2023

ESCORRO

 Quando me despejo de volta ao dia preciso que a música amorteça-me a queda. Do alto devaneio em que sonhava ao chão do real está o verdadeiro salto mortal.

Das culminâncias do sonho à confusão da vida de relação, onde encontro gente que diz ter sonhado "algo louco ", que "nada tem a ver".

Só não tem nada a ver quem nada quer enxergar.

Querida, acaso não prestou atenção à vida? Não te parece acaso mais louca, feroz até? Assim acaba devorada dos pés à cabeça (ou da cabeça aos pés).

Não que alguma ordem te importasse. Mas preste atenção!  Se descobriu o sentido da vida está à porta da verdade mais dura. Prestes à maior loucura, ou apenas à real.


Recife, 11/3/23.

sexta-feira, 10 de março de 2023

TERRA TERRA

 A sua presença no meu recinto, sinto, não é nenhuma invasão. A sua passagem é outro avião, e dá asas ao meu desejo de retorno.

Este vir foi voltar, a isto que se proibiu e insiste. A dimensão perdida que é o Recife, que alguma vez dá medo de encontrar.

Nem  tudo que nos chama nos chama para o seguro. Há muito proveito em muito apuro, mas não é preciso apurar-se. 

Há tempo. Há revezamento. Fui-vim, volto, respiro e tento, tranquilo, entender o que isto é.

Porque quando pareço aproximar-me soa o alarme que eu mesmo armei e me sinto injustiçado. Sinto que fui razo onde devia ter aprofundado. 

Mas a cada relance mesmo a superfície já é tanta. Sem qualquer esforço me alcança e me distraio de novo.

Não reclamo porque não tenho compromisso com o fundo da questao. Apenas a questão me intriga. Talvez melhor não resolvida,  e sempre a me interrogar.


Recife, 10/3/23.

quinta-feira, 9 de março de 2023

EMPENHO

 A criança, logo que brota, chora. Chora da ignorância de tudo. De não saber quem é, quem somos, que é o mundo.

Tenho saudade de quando me faltava o estudo, de estar horizontal e inculto. De sofrer sem saber que sofro, e sofrer o que é.

Passaram-se esses anos todos e estou marcado. Não vi o que me marcou. Pertenço.  Sei um pouco mais quem sou, mas sou detento.

Cada liberdade de escolha me atrela, por não ter feito outra, aquela,que me prenderia de outra maneira. 

Fiz isso a vida inteira e ainda não faço tão bem. Mas sei que sou ajudado, deste e de outro lado, mesmo se distraido.

Faço o melhor que consigo, de que se infere tentar bem muito. Investir o meu tumulto, minha ordem, minha presença. 

É intuição e é ciência. É causa e consequência. É estrada, é estação. 

É para frente, parando e sem volta. Não aproveita revolta. A hora é a do empenho.


Recife, 9/3/23

quarta-feira, 8 de março de 2023

SINAPSE

Você me bateu, e não sei se me bateu pr'eu gostar. Tapa surdo, pro meu grito mudo, que não sabe se é pra gritar. 

Acho que te conheci pra saber o que não posso, que escrever não é o meu negócio (porque meu meu negócio não é sofrer.)

Às cifras da canção tenho acesso desde 94 e nada soa, porque ainda não sei tocar. Não que isso me torne estúpido, o cifrado não se destina ao mundo, que um pouco só premia quem sabe decifrar. Quem sabe cantar, quem tange a lira.

O delírio,  não.  O delírio só se aplaude impercebido, o delírio clandestino (quem o aplaude, então?).

Os amigos imaginários, do banquete como inventado. Eu os prefiro à gigantesca família castrada, cada um manejando sua convenção.

Conforme, parece tudo tão complicado, mais amplexo que um abraço e, indecente, é mais ósculo que um beijo seu.

A luz natural só dura o dia, e na escuridão se abriga, em desaparição. Mas, você sabe: para tudo tem um jeito; interruptor, lâmpada, dedo, e prestar muita atenção. 


Recife, 8/3/23

terça-feira, 7 de março de 2023

DESLEÃO

Quando viajo saio de mim e me levo junto. É como melhor me aventuro, com esta companhia massa que Deus me deu e aperfeiçoo.

(Juro!)

A alma passeia e recolhe impressões, e se metamorfoseia. É impossível manter o prumo sem desmontar-se de quando em vez.

Revisar os componentes, olhar, entender. Fazer as melhores combinações, depois oferecer-se reconjuntado a essa muita outra gente que também se quer melhorada.

E com tanta andorinha junta dá pra fazer muito verão. Dá pra fazer até mais (em qualquer estação).

Pouco importa o calendário, a cor das folhas (se folhas há). Hoje é o mais aprazado dia pra começar. 

Hoje, hoje ainda, mas amanhã e depois também. O cativeiro foi estourado (Não posso ficar meu próprio refém).


Recife, 7/3/23

segunda-feira, 6 de março de 2023

TRÊS ESTRELAS

Chuveiro desligado na Data Magna. A Revolução é quente, e é compartilhada.

A aspiração é ser livre. Que rei que nada! Nem metrópole, nem soberano. É muito mais simples ser pernambucano.

Não ser vassalo, não ter susserano. Ser donos do mar, donos dos campos. Pulsar o coração apesar de toda razão, todo cálculo, todo plano.

E já não estou certo do que estou falando.


Recife, 6/3/23.

sexta-feira, 3 de março de 2023

SANTA CRUZ

Badalam os sinos no Pátio de Santa Cruz.

Pouco, mas sempre, como quem sugerisse um decantado erro de associação. 

Mas eu nasci leão e insulado numa esquisitice muito própria.

Decerto não nasci santo nem me tenho feito, embora me sinta predestinado, na condição humana, a uma angelitude distante.

É também fato notório que adotei a cruz. Não a cruz sob a qual todos vergamos, na imprescindibilidade de lutar o dia.

A cruz que apenas simbolicamente invoca esse Cristo tão doce que eu queria que eu fosse.

Nada de jogar cristãos à cova dos leões. No mar, em terra, na ilha, em mim tudo se reconcilia.


Recife,  3/3/23.



quinta-feira, 2 de março de 2023

RIBEIRA DE MAR...

Amanheci com Cabral.
Entardeci com Clarice.
De noite Gilberto Freyre
me explicou o Recife.

Manuel dá Bandeira 
de que alguma infância sempre está neste estado.
(Pernambuco nunca pode ser superado.)

Alceu, Chico, Lenine, Duda
dão o tom do que quer que me instale.
E o avô da minha avó então soube
que não se pode deixar a cidade.

CURTA

 A vida é chama,
clama
abrasa.

Mas a vida chama
(separa).

Tantos caminhos,
tanta gente.
A vida são opções
divergentes.

A vida se insinua,
uns a acham sedutora
(outros apenas torta).
E muita outra gente
preferia estar morta.

E quem prefere o decesso
já vem morto em vida.
A estrada nem sempre é fácil,
mas é melhor cumprida.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

NEBULOSA

Quem se apaixona, apanha.
Apanha a rosa. 
Depois apanha DA rosa.
(ou dos espinhos).

Quem se apaixona está com tudo
e muito prosa!

Tanto faz o crepúsculo,
a noite, a madrugada,
a aurora.

(Se tudo é da própria cor da rosa).

Depois vem o tempo do azul.
O movimento das ondas dá lugar
a profundidades oceânicas.

A beleza do jardim
assume uma tristeza pântana.

Mas tudo eu vejo à distância.
O azul talvez não seja tão intenso assim.

Ah, mas o rosa...
Eu o quero sempre pra mim!

sábado, 25 de fevereiro de 2023

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

AOS COSTUMES DISSE...

Saudade
dá e passa. 
E volta.
É torta.
É em volta.

Envolta em tudo,
em nada se mascara.
Saudade dá na cara
(afaga, mas é tapa.)

Saudade é etapa
necessária.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

DEVOTO

O sorriso tomando impulso
não é coisa de músculos. 
Gosto da mobilização
(mas não gosto de números).

Gosto de os olhos se apertarem
ser na verdade distenção.
De os lábios se arquearem 
ser expandir-se o coração.

Gosto de quem os oferece.
O sorriso pode ser mudo,
mas cala fundo quando acontece.

O sorriso alastra.
O sorriso salva.
O sorriso é prece.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

PESS

O coração, à noite,
porque penso, 
para. 

Meu coração na madrugada
não trabalha.
A travessia para o dia 
parece impossível.

Parece reclamar concurso
(um que não redescubro).
A coragem do coração é 
a falta de alternativa.

Só poderia escrever missivas,
e missivas ninguém lê
(se nem os manuais, úteis).

Todas as preocupações são fúteis,
não adianta a solução antecipar problemas.
Mas a língua tem seus truques e,
se eu pudesse, me antecipava aos problemas.

Mas nunca de forma a perder um encontro com Cecília.
O instante existe (e claro que me motiva).

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

BAILE DE MÁSCARAS

 Lá fora como aqui dentro
todo mundo é uma ilha,
mas num arquipélago.

Arguipélago ilimitado
e que nos limita por todos os lados.

Não é preciso que a bomba nos una
para notar-se a ligação, a implicação,
(complicação menos ainda).

E você vai fingir independência
(ainda por cima?)

Só se não for o amor será a bomba,
como diziam os ferreiros.

Isso não tem como se rearranjar.
E não há como habitar a ilha vizinha.
A ilha vizinha é turismo,
lar é labuta.

Mas pensa você um pouco na minha,
enquanto penso um pouco na sua.
E enquanto se revezam "Preocupa!",
"Desfruta!", "atua!".

Não digo que seja fácil,
e fingi-lo tampouco ajuda.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

ÓPERA DE SABÃO

O barco ainda flutua,
e todo mar parece nunca antes navegado. 
Tem mar que é rio.
Tem mar que é lago.

(Desde o tempo do Senhor
isso era um fato geográfico)

Essas "dores que ninguém nunca sentiu".
muitos e muitos sentiram antes.
Ninguém legou um manual,
e manual ninguém lê.

Todos fazem como deve ser:
observam, experimentam.
Se não é desse jeito,
volte duas casas.

E por aqui, será que é?
Isso é porta ou é janela?
(Não sei se escrevo um conto
ou se isto já é novela).

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

COMO É?

Em tudo um travo amargo.
No suco que há pouco era fruta,
no chocolate feito para ser doce.

A vida não é como se queria que fosse.

O samba consolador desalenta.
O carnaval  parece uma tarefa imensa.
A vida não é mesmo a que se quer.

Mas restar querer-se a vida
(a vida como ela é).

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

HÁ SIMETRIA

 Toda vez que toca o telefone
O telefone já não toca,
mas toda noite de insônia
nunca sai de moda.

Deixa essa lógica mercantilista de achar 
que o mercado da música precisa dos amantes.
Eu já falei que o dinheiro não importa
(ou como antes).

O ponto é: o que seria dos amantes
se a música não provasse que isso nunca matou?
Todos sobreviveram para escrever
suas canções de estar-se a morrer.

Tantos e, no entanto, meu pinho,
Tantos mas noto que é ridícula a minha vingança.
Tantos esquece o que não tiver perdão.

E o dia?
Não se adia
(como não se adiava quando tudo nos dividia).

Uma noite a menos, um dia a mais.
Um dia a menos, uma noite a mais.

Dorme.
Sonha.
Grava ou não grava?
(a terapia de férias...)
Agrava!

O coração doi à noite,
de dia distrai-se de bater.

Scarlett, meu filho!
Ah! Amanhã eu penso nisso.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

BANSHEES

Parece triste:
o mar tá lá,
mas a praia não existe.

Os barcos não têm velas.
As rodas estão paradas
(estragadas, deitadas).

E nada disso estanca
minha sangria desatada.

Nem mesmo essas pessoas
de ares tão honestos,
e no entanto vagarosas
vendo meu mal tão presto. 

Tivesse olhado mais rápido
e nada disso se via.
Mas a mal formada cena
agora é minha companhia.

E esse padre, 
rezando de costas e em latim?
Parece custar-lhe esforço,
mas nada disso é pra mim. 

domingo, 12 de fevereiro de 2023

EM AQUÁRIO

Mercúrio em aquário
e quadro direto ao ponto. 
Aberta a temporada de descontos.

Nada de decoração de Natal.
O recado infenso à folia
dos enfeites de Carnaval.

Carro alegórico-só-carro
e adio a alegoria,
mas conservo alguma tristeza
e muito mais alegria.

(Como quando algo me pedia
que morresse e eu não morria.)

Apenas a arte de viver
o quanto se possa, até que se possa.
E colhendo sempre o progresso
de quem acertou nas apostas.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

SENTINELAS

Música é minha vida toda 
e eu não sei fazer. 

Este mesmo a quem minha mãe dizia:
"Você tem dois ouvidos e uma boca,
é melhor escutar".

Este mesmo a quem minha vó dizia:
"Você tem dois pés esquerdos",
porque eu nunca soube dançar.

Mas estou melhor que essa outra gente
que não sabe expressar um raciocínio,
ou desenvolver uma ideia que preste,
mas está sempre atenta a uma "Sinderela" com "s".

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

PLUTOCRACIA

Os "i" se pingam, sim.

Paulo Freire tem razão:
Não existe evasão escolar,
o que existe é expulsão.

Darcy Ribeiro ainda está certo:
a crise da educação no Brasil não é crise,
sempre foi projeto!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

...ou PEGA PRA CAPAR

Gosto do cheiro do que flora.
Gosto do cheiro da beterraba quando se corta.
Gosto de ouvir estourar a pipoca.

Gosto de ver explosões no mar
e sonhar que não há dano.
Mas não gosto de quem passa pano,
salvo se é da limpeza.

A vida é bonita mas abrutalhada
por muita gente-quase-nem.
Gente por culpa de quem
muita outra gente chora, pena e espera.

Gosto da ideia de que a Misericórdia Divina
é infinita;


é infinita mas não é cega!  

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

DO QUE SE PASSA

As minhas melhores fotos foram tiradas com amor.
As melhores fotos de mim também.

Felizmente, se o amor passa 
(tem gente que acha que o amor passa,
e o sorve pouco como quem sorve cachaça),
as fotos seguem lindas.

O meu sorriso não remenda o que rasgou.
Minha alegria não se esavai com quem se foi.
O voo que alcei ainda plana,
que eu de lá não me desabalei.

O carnaval ainda pula.
O show ainda soa.
A selva ainda deslumbra
e o mar é ainda tépido.

Nada muda se a lembrança é distante
ou se é de perto.
Eu antes de saber do perispírito 
já sabia que tudo me ficava.

Não!
Nada do que se dá, passa.
Nada do que se passa.
  

domingo, 5 de fevereiro de 2023

10:20 da manhã

Nado costas sonhadoramente
como o Sol no geocentrismo.
Vejo a imensidão do azul e a cruzo.

Por que o professor primário nos ensinou a rir disso?
Se olhavam para o céu e viam o Sol a cruzá-lo
que sistema seria mais atrativo?

O privilégio dessa imensa estrela (de quinta)
a nos voltar dia após dia numa espécie de fidelidade
deconhecida da Humanidade?

Mas o sol é o centro, Copérnico,
e é melhor sermos fiéis a nós mesmos.
É melhor transladarmos, por nós, ano após ano.

Ah, mas me agrada conduzir o carro, como Faetonte,
e trazer o dia sobre os horizontes.

Mas soou o alarme.
Uma chegada de peito e estamos liberados.
De peito aberto, como a vida deve terminar.

Mas conta outra!
Eu só estava mesmo contando azulejos.

E agora vou embora chocado com os que se gabam de saber
que o Sol é o centro do sistema portanto chamado solar,
mas se riem de haver muitas moradas na Casa do Pai.

Só há vida na Terrinha?
Giram humildemente em torno do sol,
mas, "com H maiúsculo e dourado" acham o que o Universo existe pra sua contemplação.

sábado, 4 de fevereiro de 2023

PLAYLIST

Às vezes a vida soa.
E a vida às vezes caçoa.

A vida pode ser Elvis Presley cantando "My Way"
de forma mais sentida que Frank Sinatra.

Pode ser Cazuza cantando "O Mundo é um Moinho"
mais sinceramente que o próprio Cartola escreveu.

ou...

Pode ser Freddie Mercury rasgando "The Show must go on",
porque não se tem de parar porríssima nenhuma!

Piaf, Cássia Eller e mais explicativamente Bethânia
cantando "Je ne regrette rien".

Canta, vai! Há algo de escolha nisso.

Balayé les amours,avec leurs trémolos...
Je repars à zéro!




sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

ARMA QUENTE É UM ABRAÇO

John estava certo.
Era bruto, magoado, ressentido,
mas enxergava claramente as profundidades do amor.

E era hino do natal,
hino de uma nova era,
receita simplíssima de tudo o de que precisamos.

É fácil!


Não tem nada que você possa fazer
que não possa ser feito.
Não há nada que você possa cantar
que não possa ser cantado.

Todos aqueles lugares tiveram mesmo seus momentos,
com amores e amigos vivos na mente e no coração.

E quem disser outra coisa nunca os teve, nunca esteve.
Amores não morrem, mudam de vibração, de dimensão, de endereço.
Amores me fizeram um bem danado!
E um bem eu não esqueço, um bem eu não mato.

Um bem deve ser cultivado,
e é conforme à doutrina do Cristo.
E seguirei doador de abraços
(tudo abraço merecido!)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

CORDIAL

Quando minha mãe morreu,
muito nova para morrer mas não para ser avó,
não tinha netos e estava morta.

E eu só pensava na sorte da minha avó,
morta pouco antes,
que quase deu azar pior do que o da minha mãe
(que perdera a mãe)
e muito maior do que o meu
(que perder uma avó é supostamente bem mais natural...)

Então pensei: "Perdi minha avó. Perdi minha mãe.
O que pode ser tão pior? Só se perdesse um filho."
(o que me parecia quase impossível)

Mas doze anos são nada na vida do distraído,
e lá vieram as lapadas do tempo com seu poder demolidor.

Agora já perdi minha avó e minha mãe,
únicas as duas.
Perdi meu único filho,
e vários cachorros da família
(que já os teve 6 simultâneos).

Depois de tanto coração partido
já não conto tragédias para o tango.
Conto a vocês que tenho mais corações
do que um gato tem vidas em inglês.


terça-feira, 31 de janeiro de 2023

DISTRAÍDO

 Vive-se com 2 escovas no banheiro
como se vive com uma.

Às vezes as coisas claras
tornam a vida mais dura.

Não só percebe quem repara,
nem só acha quem procura.

Mas o dos ventos é verdade:
Só os aproveita quem sabe o que quer.

Pra onde ir
Que roupa secar
Que nuvens afastar.

A vida acontece ao atento
como acontece ao distraído.

Mas quem repara o mundo em si mesmo
vive muito mais bonito.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

SÔDADE (enquanto vou caminhando)

Saudades as tenho enormes,
do que pode e que não pode. 
De muito do que então foi azar
e que, revisto, foi sorte.

Das experiências formativas:
das que me deixaram sorrindo
e também das aflitivas.

Tenho saudades da minha mãe,
saudades da minha vó.
E saudades do meu filho
(que as deveria ter minhas).

E os reencontraria a todos,
os vultos do passado;
os a que o nunca pedi,
mas me podem ter perdoado.

E também aos pobres sofredores
que não perdoaram a mim,
de cujas caras não lembro,
cujos nomes esqueci.

Mas minhas saudades eu sinto
enquanto vou caminhando;
porque muito tenho vivido
e novas vou formulando.

domingo, 29 de janeiro de 2023

O SEGUNDO

Todos os dias
(ou todas as noites?)
a aurora prova que a escuridão passa.

Na vida é parecido,
mas é evento certo
de tempo insabido.

Não importa o quanto você insista
em fechar suas maravilhosas persianas.
Todo mundo sabe que é dia:

Todos sabem que há sol.
Adivinham-no atrás das nuvens.
O mormaço o denuncia.

A ninguém você engana
fazendo trevas, rebeldia.

A vida que você queria e nunca teve...
De boa ela só tem os mistérios.
Toda ela também calor e refrigério.

A ignorância é uma bênção há séculos.
Você só queria o dia se venusiano.
Quase um ano de luz, mas..

Você se prontifica a queimar?

 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

TAL VEZ

Eu fui.
Vi
.
Nunca venci,
mas tentei.

Ou fiz o que podia,
e que talvez fosse pouco.
Às vezes com discrição,
outras em alvoroço.

Fui admitido,
consentido.
Talvez não aceito.

(Talvez eu fosse indigno
 de amigos tão perfeitos).

Dei meu presente no tempo que corria
sem consultar o passado ou adivinhar o futuro.
Nunca fui tudo isso mas fui-o sempre no duro.

Errei em alguma fração
e o perdão é meia-boca
(quiçá pro meu próprio bem.)

Eu fui muito "eu te amo!"
e eles só "eu também!"

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

EPITÁFIO

Minha companheira foi a Música.
Nunca me desentendeu.
Nunca me desenganou.
Nunca desertou.

Segredou-me o que eu nem podia entender.
Foi-me fazendo entendedor.
Inspirou-me alegrias e consolou muita dor.

Doou-se sem exigir em troca.
Eu nunca nada pude fazer por ela,
à míngua de talento.
Mas divulguei sua palavra como poucos neste reino.

Apenas menos que os pássaros,
os poetas,
os menestréis,
as cantoras,
e os apaixonados (enquanto tais).

Nunca, Música, um amor foi mais conhecido
do que o meu por ti.
Nem Páris por Helena.
Nem Dirceu por Marília.
Nem Romeu por Julieta.

A nossa é relação de que tudo se aproveita.
"É", porque eu partindo não nos apartamos.
Há música em todas as esferas,
música para todos os planos.

Ó, Deus, meu Pai!
Da próxima vez, com o gosto,
dá-me o talento,
a missão,
essa estrada.

Te peço de todo o coração
(e  não te peço mais nada!)

domingo, 22 de janeiro de 2023

LIMBO

Quando se envelhece os amigos
se eternizam e eterizam.
Já a meios do processo temos mais amigos históricos
do que propriamente amigos com que contar.

É retumbante aquela consideração,
já com notas de saudade respeitosamente distante,
como se já estivéssemos mortos.

E de fato estamos.
Estamos milhares de vezes mortos.
Cada escolha que fazemos nos mata
para todas as de que prescindimos.

Ninguém tem tanta vida
Ninguém tem tanto corpo
Ninguém tem tanto tempo
Para tantos amigos.

Sequer paredes na memória para lembranças que doam mais.
Já nos debilitamos.
Já não se é capaz.

Ninguém já aguentaria ser decepcionado,
aviltado, ferido.

Mas há muito o que lembrar.
Muito o que elaborar.
Muito que fazer com isso.

(Quem souber dourar a pílula que escreva o livro.)

sábado, 21 de janeiro de 2023

VAZIO

O ser humano se ilude muito;
amiúde.
Os passáros voam e não têm o céu por garantido.
Morrem e se decompõem sem nem sepultura.

Ou se um doce menino angolano os sepulta,
igual se decompõem.
O céu não é garantido.

O João de Barro constrói o seu lar.
Não lhe pede muito;
que o abrigue.
Outros vão roubar em ninhos alheios.

O céu não é garantido
e, pressinto,
não está cheio.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

VÊ LÁ

Cuida que cuida de você,
mas te controla, te domina. 
Pensa que sabe o que fala
mas não aprende o que ensina.

Ele lá sabe o que é Alceu Valença 
no Marco Zero em pleno carnaval?
Ele acaso já se banhou por horas
nas águas tépidas de Cabo Branco?
Já esteve o mais oriental que se pode nas Américas
e foi ver o por do sol no Jacaré?

Acaso ele conhece o Marajó?
Viu o Solimões beijar o Negro?
Ele tem que elegância?
Que apelo?

Ele sabe o que é?
O que quer?
Ou só tem medo?
Será que vive de verdade
ou sufoca em excesso de zelo?

A vida amanhece,
desabrocha.
A vida cresce,
arbora. 

Temos todo tempo do mundo
(mas não temos tempo de sobra).

domingo, 15 de janeiro de 2023

SANTA CRUZ

Caetano, hoje é preciso desesperadamente escrever um poema.
Implantar uma flor no asfalto onde quer que tenha nascido.
Humanizar o asfalto antes que o asfalto tenha ruído.
Desmantelar brigadas e infantarias.
Ter sonhos de poeta ou criança distraída.

É preciso tocar a flauta que traga a Esperança para fora das pessoas.
Ouvir o canto dos pássaros e o que as matas ressoam.
É  preciso reflorestar o braço armado à maneira de Tistu.
É vital voltar a ver a verdadeira face do Cristo.
É preciso revolver entranhas para resgatar o Eu.
É preciso com urgência lustrar o sonho que se perdeu.

Tudo que nasce faz-se do nitrogênio do morto.
O futuro do país livre, dos destroços do império deposto.
É preciso alegria corajosa, que enfrente a tristeza sazonal.
É preciso de cada luto reinventar o carnaval.
Avancemos no nosso ritmo, mas avancemos sem detença.
Devagar e sempre, certamente sem marcha à ré.
Avancemos iluminados pelo facho insistente da fé.


quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

BRILHA TUA LUZ

Minha mãe, insone,
gozava a abertura 24 horas de estabelecimentos.
Os que não visitava sequer durante o dia.
A só possibilidade a encantava.

De mais a mais não dirigia.
De menos a menos jamais confiaria no nosso transporte público
a desoras, em nossa cidade insegura.

Como ela diante da noite eu diante da vida.
A só possibilidade de tanto acontecimento me preenche.
Sou grato porque ela existe.
Sou grato porque exista.
Agradeço, mas do fundo do peito,
por este livre-arbítrio que não sei levar aos cimos.

Nem aos dos inócuos materialistas do mundo,
nem aos dos Franciscos de Jesus,
em Assis, em Pedro Leopoldo, ou em uma Roma menos dourada e mais argêntea. 

Sim, existe!
Morrerei afirmando-o.
Nem precisava ter fé maior que a tinha Tomé porque vi:
Mesmo diante da perseguição da fera ao abismo se escolhe
morrer da queda ou mordido.
Mesmo o trem sendo imposto e o vagão não sendo escolhido,
escolhe-se a viagem em pé ou atado em cinto.

Toco-as. 
Minhas chagas são voluntárias.
Fiz mais escolhas, eu e vocês, 
do que admitiríamos.
Mesmo do ponto de vista míope de só esta existência.

Mas até aquele livro ruim, daquele autor canhestro,
teve mais de uma encadernação e vendeu-se em euros.
Imagina você, que não escorreu ao papel de uma pena débil,
mas se criou pela vontade de uma Força incompreensível!

Exerça-se, vai!
É o mínimo!

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

LIVROS

 d'après Walter Hugo Mãe

Mãe, a verdade é uma certeza na existência
e uma incerteza na compreensão. 
Tanto faz a língua,
pouco importa a tradição.

Para toda santidade existe uma função,
mas nem toda função redunda em milagre.
Nem toda condição deve ser suavizada
ou toda rota alterada.

(Não à revelia da mudança de quem caminha.)

Você está certo, Mãe.
Todos os pecadores existem tragicamente na carne de Deus,
e nada Lhe escapa à autoria.

Esse livro que a Ele atribuem, 
para mim só muito depois da poesia se pode ler.
Talvez eu seja uma criança muito mais adiada que você.

Talvez já me tenha fervorosamente despido de tudo e caminhado o mundo.
Despido talvez de sentido, porque despido de razão.
Invisível, incompreensível.

Sim, ser feliz implica a questão da tristeza.
Ser feliz cansa, "mesmo vivendo na França,
mesmo indo de avião"

E eu vou aéreo sem decolar.
Talvez o mesmo do colégio,
sempre escolar.

Todas as coisas escritas são milagrosas.
Milagres em versículos, versos ou prosa.

Deus falou Matemática e os planetas se atraem,
a música se concatena, a física sustenta edifícios.
Mas vamos tocá-lO em palavras,
grandes ou pequenas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

RECENTE

E o mundo nasceu,
para meu grande espanto,
que já pensava que pudesse haver em lugar nenhum.

E isso não seria inexistir,
mas sobreviver à extinção dos mundos prévios,
que eles não me interessam, 
na sua esterilidade ontológica.

Mas o meu preconceito atesta minha ignorância
(como todo preconceito atesta ignorância);
aqueles mundos são poeira cósmica,
a matéria prima dos vindouros
(como nós neste, ao nos decompormos).

Superar a ignorância talvez fosse bom,
mas eu, pobre de espírito,
só aspiro voltar ao colégio para gozar férias escolares.

As únicas que se dão a quem tem o mundo a seus pés,
sementes de tudo.
Cientistas, atletas e poetas do futuro.

Eu não ouso falar em futuro.
Desdenho regras de previdência.
O pé-depois-pé é toda a minha ciência.

Eu sinto, não sei descrevê-la.
Eu sinto!
Ei-la inteira.