sexta-feira, 30 de outubro de 2015

ARGUMENTO

Você deixou ser homem por minha conta.
Por quê? Se não estava pronta.
Que conta você fez?
O que você apronta se a lua muda?
Por que não veste minha verdade e despe a sua?

Eu chamei seu nome pela rua.
Chamei-a os anos todos.
Chamei as chamas de um louco,
consumi-me em arder-me.

Por que quer perecer-me?
Se disse que havia tempo.
Se vazou dos meus olhos o intento.
Se fui o segundo rebento.
Se me arrebento aqui!

Que argumento escolhi?
Acho que estou ali.
Pulo,
me agacho,
eu prefiro sorrir.

sábado, 24 de outubro de 2015

FOI

Quis cantar uma canção plena.
Predispus as palavras
que o coração não concatena. 

O coração é distraído,
não quer saber de atenções;
só de ser submetido
às mais injustas paixões.

Apaixonar-se pelo passado,
pelo que crê acontecido.
Pelo que já não merece,
mas pode ter merecido.


SCL-GRU, 16/10/15

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

REFRÕES

Chorei rios,
como nas canções.
Chorei palavras,
viraram refrões.

Cobri a rua de casas,
as casas de alçapões.
E ficaram guardadas
lembranças inventadas

de outros corações.


SCL-GRU, 16/10/15.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

LÁGRIMA

Abri os braços
na imensidão azul algodoada.
Não sei que vento me levava,
se o que soprou Deus,
se o que o homem fiz.

Abri os braços,
eu era um abraço.
Ela não quis...

Eu era um beijo,
um peito aberto,
um olhar sempiterno.
Ela não quis...

Sou rosto,
sou sal e água,
sou escorrendo

sou lágrima!


SCL-GRU, 16/10/15

domingo, 18 de outubro de 2015

JUSTO EU

A roupa com que me veste o mundo
não foi feita sob medida.
A costureira mal me conhece
e já está de mim esquecida.

Estou todo desajustado,
vê-se que não fui feito a mão.
E que ajustes, neste mundo,
são matéria de ilusão.


Santiago, 8/10/15.

sábado, 17 de outubro de 2015

SANTIAGO

Santiago, já te trago
insculpida na memória.
Tanta gente transitando
e a cordilheira nem nota.


Elas sabem
(está nos registros)

que nos liberta uma Alameda.
Mesmo que as árvores de então
não sejam coisa que se veja.

Santiago, tanto tumulto
diferente das ruas sangrentas
cantadas por Milanés,

publicadas em nossa imprensa.

Ouve-se um eco da voz

esperançosa de Allende,
a mesma esperança vermelha 
que meu peito ainda acende.

Mas errantes são os mesmos,
haja salvadores ou reis.
Vou errar de novo em minha terra,

mas jamais te esquecerei.


Santiago, 15/10/15.

domingo, 11 de outubro de 2015

domingo, 4 de outubro de 2015

FIGURAS

Dizem que não importam as palavras,
apenas atitudes e gestos.
Não sei se concordo com isso, 
caiu-me meio indigesto.

Não adianta cantar alegrias
e fazer na vida triste figura,
mas a palavra alivia
muita dura contratura.

E sempre podemos proferir
e depois preferir o que dissemos.
E assim fazemos melhor figura
enquanto vagando no plano terreno.

Melhor figura na essência,
aqui não se trata de pose.
Então o digo bonito:
encha a alma de flores!

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

DESBERNARDO

Eu converso com o Pessoa
todos os dias de manhã.
Eu também sofro desassossegos,
e sabê-lo não é coisa vã.

Ele me diz, às vezes,
coisas bem tristes,
mas minha alegria resiste,
quando é tempo de se instaurar.

E quando ela não existe
gosto de saber dos tristes
como o que nele há.

Não concorda que consola
saber que não é o dono da bola
no jogo da inquietude?
Vendo como portou-se o outro
posso mudar minha atitude.

(e dependendo de como me porto
é bom propósito que eu mude)

Eu não tenho receio,
me pego no enleio,
e leio toda a manhã.

Às vezes sinto consumir-me uma febre
que o Jobim não descreve,
a tal febre terçã.

Tá tudo tão bem colocado,
o mundo explanado
com tanta beleza!

Não há só belezas alegres,
sabe-o bem quem escreve:
há "tintas da melancolia".

Nem só da "pena da galhofa" se vive.
Aliás, alegria ensaiada deprime,
porque comprime o meu desdobrar-me.

Não importa no que a vibração consiste,
hoje é "fixe" declarar-me.
Talvez fixe o achasse o Pessoa
se vivesse no mundo de hoje.

Mas vivendo pulsante,
experimentante,
e não como então ele pôde.

Como pôde ainda pode:
existido escrito,
remédio ou combustível
para a minha aflição.

E vou aprender com seu erro,
que também vivo o desmantelo,
mas dou carne à encarnação.