segunda-feira, 27 de outubro de 2025

DEVIR

males para o bem
Certo por linhas tortas

Eu também consigo ver
(que já não sou idiota).

sábado, 25 de outubro de 2025

INTÉRMINA

A vida não é terminal,
é estação.
É preciso tê-lo claro para não nos enganarmos
com o fim da excursão.

A expedição termina,
não é filha única.
Mas nunca acaba essa pesquisa
que tanto nos tumultua.

A distância percorrida nem se mensura.
O deslocamente não é jamais igual a zero,
mesmo porque esta estação já não é aquela.

As tintas firmam-se nas aquarelas,
perpetuam-se os papiros do Egito,
e ainda vivem os do Mar Morto.
Mas a evolução pede outros.

Pede que o gravado na pedra esteja aperfeiçoado no papel.
Na tela tudo parece que se deleta,
mas há a nuvem,
há o expresso do inconsciente, trem bala.
Onde tudo se guarda, mesmo o que, parece,
já não se resgata.

Por isso é preciso o sonho.
Entende?
Pois entenda-os. Tudo se estende.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

ÁGUA CORRENTE

A água viva é promessa do Senhor
para que jamais tenhamos outra sede.
As minhas retinas, cansadas da vida,
não precisam de artefatos para ver-te,
têm já o teu formato.

A vida é um continente muito instável
para abrigar certezas.
A vida põe o momento na mesa
e o serve com convicção.
Sabe que ela mesma faz-se
e farta-se desse pão.

Todo pedido é teu, 
de toda lâmpada.
E todos iluminam este fato:
Nada precisa estar guardado
do que já me integra.

E porque estou assim tão bem formado,
tenho em mim prova do teu ser e do teu estado.
Para o que desenhamos não há borracha,
não pode estar mais entranhado.

Nada é mais inevitável do que perceber-te ao meu lado
e querer-te sobre mim, querer saber sobre ti.
220 números, 20 minutos,
tudo isso a coragem cobre.
A coragem prata.
A coragem ouro.

A coragem de não ser nenhum outro
senão aquele arrebatado por uma timidez audaz,
de audácia altiva, secreta e bonita.

terça-feira, 21 de outubro de 2025

CORRENTE

Não me serve o que serve
nem o que desserve.
Interessa-me o pleno
(o que já não se descreve).

Meu tribunal não é de pequenas causas,
só a própria vida pode ser decidida.

Ali onde o detalhe decide o jogo.
Não há tempo para cases e estojos.
O concerto não termina
(ou termina o todo).

A vida não é um surto,
embora às vezes demente.

A vida é corrente. 
Não faz conta.
Não tem quem aguente.

(mas só me interessa quem tente).


domingo, 19 de outubro de 2025

DESEJO DE LÂMPADA

Às vezes me pergunto se estou aqui,
embora as pessoas me atendam (se solicitadas)
e sejam gentis.

A música que me move não fiz.
Toca-me e não sei tocá-la.
O que eu escrevo não move, paralisa
ou espanta ninguém.

Mas, num segundo olhar,
viver não é para quem.
Não é para que nem aonde.

Viver é como.

Como se Deus existisse e
a justiça fosse plena (extraterrena).

Como se o amor fosse o modo,
a moda e fizesse sentido.

Como se não nos apegássemos, tanto,
a isso do "não preciso de nada disso".

Como se fôssemos a mais.
Como se qualquer um fosse capaz.

Como se a suposta exumação do Cristo interno
se revelasse resgate.

Como se para o paraíso não se precisasse de reserva,
passagem ou ingresso, mas da imitação sincera dos bem-aventurados.

Como se herdar a Terra não fosse açambarcar a herança alheia.
Como se pudéssemos nos alegrar com o retorno do extraviado mais
do que com quem nunca errou.

Como se estivéssemos certos (mas certos)
dos sinais e do que sinalizam.

E sobretudo como se soubéssemos estarmos,
pela escassez do tempo, de sobreaviso.

Espero que tenhamos a certeza. 
E que mantenhamos a lâmpada acesa.


sábado, 18 de outubro de 2025

TALENTO

O nosso talento é brigar.
Não por um sistema mais justo.
Não para não displicentemente
enterrarmos nossos talentos.
Não porque fomos injustiçados.

Para havermos.
Para que nossas substâncias se movam,
se envolvam,
produzam.

Um produto interno bem bruto,
e uma imensa dívida externa.




I had a dream there were
clouds in my coffee,
clouds in my coffee....

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

LADEIRA

Como sísifos contemporâneos,
vivemos na eterna consciência
de que o tempo nos escapa,
de que nos faltará.

Eternamente desinventamos o relógio.
Não no belo sentido de vivermos nosso tempo
livres inteiramente de mensurá-lo,
mas no trágico sentido de ignorá-lo.

Não damos mais do que temos,
mas sem saber se ainda temos,
o que ainda podemos,
do que precisamos.

Mas nos embelezamos.
Como se a virtude sendo impossível
sua aparência bastasse.

Retiramos as pilhas do relógio
para que nada mais acabe.

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

EM TEMPO

Agiam como pais distraídos
que não veem os filhos degenerarem.
Não ouviam o que lhes diziam.
Não se interrompiam.

Fiéis apenas ao desperdício do tempo,
à frustração da oportunidade,
ao adiamento a uma próxima idade.

Não se atentavam aos minutos que sangravam,
às horas que transcorriam em branco,
ao banco em que os "quase" iam se depositando.

O relógio, implacável, seguia sua marcha
de amigo que avisa a cada segundo.
Nem no melhor dos mundos
isso seria assim impunemente.

Estamos postos para nos fazer gente.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

NADO

Choro porque é sexta-feira
e não tenho motivos para chorar.

Não há nada errado
porque nada há.

A vida não me leva
não me deixa
não me beija
não me constata.

A vida não me acolhe
nem me desacata.

Estou esquecido,
mas por quem?

Nada me vai,
nada me vem.

Nado porque não sei me afogar,
não sei tentar não respirar.

Me nadam.

Nado, nado
e nada há!

TRILHA (errante)

Há um mapa que ensina
por onde caminhar.

O negócio não tem erro!
(mas como eu sei errar...)

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

La Dolce Vita

Um tiquinho de açúcar é melhor
que qualquer tanto de adoçante.
Prefiro o que ainda é um pouco
ao que já não era antes.

Melhor a ausência do que o holograma,
o busto, o quadro.
Melhor a falta que a presença do enfado.

Quero o palpável, o sensível.
É do vibrátil que sou devoto.

(E, dito isso,
gosto de foto!)

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

ISSO NÃO É DIREITO

De pensar que, desde a faculdade,
já transcorreu tempo assaz
para tornar um menino um rapaz
pronto para escolher com equívoco um curso...

sei que a vida é breve!

Para tomar esse curso
tive o concurso de muita covardia.
O desejo de garantia,
a ilusõa da permanência,
os honorários,
tranquilidade.

(e muito pouca ciência!)

Segurança?

Ainda assim a vida de desandanças.
Ainda assim o verso e o reverso,
repetidos até perderem o sentido que nunca tiveram.

Tanta gente me instruindo no que eram
e eis que já nem eram.

Sim, o tempo voa
e sou seu passageiro.
Passa por tudo tão rápido
que sempre se é estrangeiro.

Sempre!

sábado, 4 de outubro de 2025

RES DERELICTA

Recolhi-me tanto que
já ninguém me recolhe.
Noto que estou largado
sobre esta calçada pobre.

Insisti tanto sobre o ponto
que finalmente o compreenderam.
E o meu quadro é a antítese
do ponto, que acolheram.

Agora sou res derelicta,
e testemunha do processo que movi.
Sou presa do livre-arbítrio;
ninguém me livra daqui.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

GAMBITO

Moça, você joga damas
com o enxadrista.
Tenho rainhas e torres
contra suas peças lisas.

E com os remédios que tomo
também vejo lances no teto.
Somos a estudante primária
e o arquiteto.

Mas sei que, terminado o jogo,
voltamos todos para a mesma caixa.
Proponho o anteciparmos,
ainda esta noite, lá em casa.

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

AOS COSTUMES DISSE... (2)

Encho o filtro
com água do filtro
e não purifico nada.

O juízo não vive em minha casa.
Dizem ser medida profilática anti-condenação.
Dizem-no e me condenam de antemão.

Não apelo.
Não conhece de mim a instância superior.
Nem de minhas preliminares.
Nem de meus fundamentos.

Pareço-me livre,
mas sou detento.