terça-feira, 31 de dezembro de 2024

NOBRE (d'Or avant)

Nunca ter te visto é uma espécie de saudade.
A espera arde, 
como adivinhasse o que estou perdendo.

Mas não perco por esperar;
encontro é o nome do prêmio
com que vou me recompensar.

As alterosas verão,
águas de março
ou chuvas de então.

Importa-me a temporada,
desimporta a estação.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

...nós todos (Coisa Alguma)

Escasseia o ano,
Escasseiam seus dias.
Mas não escasseia o Tempo,
que adia sua alforria

(embora escasseie o tempo
que temos para o dia-a-dia).

A folhinha do Sagrado está fina e decotada,
e já me chegou a nova, com um novo modelo de Jesus.

Mas para o modelo de Jesus ninguém se ajusta.
Muitas promessas para a casca,
que se adensa ou se afina,
conforme a meta de formosura.

Alguns pretextam imperativos de saúde.
Alongam a vida sem a transformar.
Alongam a vida para mais a lamentar.

Mais tempo perdido,
iniciativa adiada. 
O verdadeiro Futuro esquecido
na consciência inebriada.

Distraem-se ou se divertem?
Tudo é o mesmo.
Tudo é fabricar alegrias
e oferecer soslaios ao medo.

É desprezar o alarme,
ignorar o sinal.
Alijar a oportunidade
de abreviar o mal.

Então te desejo algo,
e esse algo não é coisa alguma.
Essas coisas te distraem,
esse algo te apruma:

Para o alto e avante!
No rumo da luz
(já não como antes).

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

ENQUANTO VIDA

O abandono é uma liberdade triste,
e ainda tão potente quanto outras.
A morte é um abandono que, se involuntário,
restitui a liberdade.

E tudo isso é capaz de uma geração infinita,
infinita como é a vida:

Vê-se.
Não se entende.
Imperfeitamente se representa.
Mas se sente, muito.
E se vive, inevitavelmete.

Nada a abrevia senão em ilusão.
O que parece silenciá-la dispara 
o contador da bomba que a restaura.

A vida se restaura!,
suplanta a morte.
A morte é sua distração,
seu breve descanso, suas altas.

Amar a vida enquanto vida,
nada mais importa.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

SEM PORTEIRA

"Dois pro tango" para o começo,
mas, para o fim,
basta um desafinar.

O amor te deixa mole,
mas pode ser muito duro
(qualquer um pode atestar).

Às vezes se dança como pede o figurino,
às vezes é um pra lá, um pra cá.

É "entrada dos corajosos",
e "saída dos sobreviventes".

Mas quem não tem peito nem é gente. 

domingo, 22 de dezembro de 2024

QUI ÇA?

Chove como se o mundo
precisasse de lavagem.
Chove e é a própria verdade.

Pela primeira vez em décadas
não me atrevo a pôr música;
esta trilha não pode ser melhorada.

Ela leva por outra trilha,
algumas vezes silenciosa,
a do pensamento

(que pode ser tempestuosa)

Deixa a chuva cair.
Se São Pedro está lavando a casa
não há mesmo como impedir.

Deixa o pensamento chegar.
Se a casa tem de ser arejada
para que tentar evitar?

O destino do que chega é partir.
O destino do que está é passar.
Mas a Terra precisa de chuva,
e você, quiçá, de pensar. 

sábado, 21 de dezembro de 2024

O MACHADO ESTÁ NA ÁRVORE

Não há proveito em buscar o completo.
O completo não existe,
e o infinito é processo.

As riquezas são um truque;
parecem possuídas,
mas são apenas retidas.

Como a Lua, 
tão aplaudida,
mas que brilha por empréstimo.

Melhor buscar o Bem.
Ainda é tímido em nós, 
mas passado o ímpeto generoso
ficam os méritos do sacrifício.

Melhor não contar com o estado de coisas,
pois o mérito não é como o pensamos,
nem a vida é barganha.

Quem conhece a técnica do destino
sabe que a dor é um caminhho
em que muito impulso se ganha.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

EM SÉRIE

E o que ele se dizia
era que nunca puxara um gatilho
que não tivesse feito do mundo um lugar melhor.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

OPORTUNO

Obrigado, Senhor!
Por isso que é o outro nome da vida:
oporutnidade.

Que eu possa não gastá-la,
mas investi-la.
Que eu afine meus ouvidos
para ouvir o que ela me pede.

Que eu tenha a coragem de não me revestir
da proteção que seja apenas medo.

A vida, inevitavelmente,
acaba em desmantelo.
Mas só da casca.

Que a minha visão seja aguçada
para ver o proveito além do risco,
isso que eu traço.

A superação do atraso, 
a liquidação da dívida.

Não queimo pontes,
que outros viajantes podem atravessar.

Que o meu juízo clareie 
para que eu saiba aonde não voltar.
Retaguarda só em socorro,
regresso só o da revisão.

Disciplina, disciplina, disciplina,
para seguir a minha bússola codiforme,
apoiada na razão.

Razão, claro, cordial.

O passo firme.
O sim, sim; o não, não.
Mas em gentileza.

Gentileza mas assertiva.

Que eu tenha o devido carinho com o Tempo,
em respeito à graça de ter nele visto a única riqueza real.
Tempo que em tudo se converte,
e em que nada se converte.

"Bonito como a cara do meu filho", 
do meu pai e de seu bisavô, a minha.

Não são círculos. É uma espiral em abertura infinita.

Oportunidade, o nome verdadeiro da vida.

domingo, 15 de dezembro de 2024

MUITO E BREVE

Arremetia-se contra a realidade,
como quem lançasse pena a alvo distante,
sem feri-la.

Desferia o verbo controverso
que não bem soava
nem o bem servia.

Não se poupava a si,
nem poupava a freguesia.

E todos iam vivendo de ledos enganos
que pujanças temporárias encobriam,
sem nem entorpecer
(que dirá matar).

A vida é muito breve instante
pra se enganar.

sábado, 7 de dezembro de 2024

INVÉS

Acordei sozinho,
como sozinho me deitara.
E cansado após
a madrugada povoada.

No domínio do sonho
há multidões.
Cada rosto que vejo
é uma minha inclinação.

Ali sou capaz de tudo,
e nada foge ao meu olhar.
Estarrecido me censuro,
surpreso me congratulo.

Como poderei, ao acordar,
ser novamente uno?
Sob a capa do dia,
conformado aos olhares.

Mas a alma irradia 
tudo quanto lhe arde.
Não estou falto,
estou guardado.

E fica adiado o tesouro
para o tempo em que me abro

e sou-me ao invés de outro.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

SIMPLES

A sorte nunca é completa
ao que não se dá conta dela. 

E quem a alcança inteira?

A sorte, sobranceira e ladina,
não está no jardim, na esquina,
mas está no trajeto.

A sorte é o ele perdido
entre o distante o e perto;
o passado e o futuro. 

Para o tolo, ela nunca estará presente,
será sempre aspiração.
Nâo importa como se apresente;
rente, passará ao largo.

(O dstraído é seu próprio embaraço) 

A sorte não volta se se prende,
parte, se se solta.

A sorte é olhar à volta
com os olhos mais simples
que se possa.