terça-feira, 31 de dezembro de 2024

NOBRE (d'Or avant)

Nunca ter te visto é uma espécie de saudade.
A espera arde, 
como adivinhasse o que estou perdendo.

Mas não perco por esperar;
encontro é o nome do prêmio
com que vou me recompensar.

As alterosas verão,
águas de março
ou chuvas de então.

Importa-me a temporada,
desimporta a estação.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

...nós todos (Coisa Alguma)

Escasseia o ano,
Escasseiam seus dias.
Mas não escasseia o Tempo,
que adia sua alforria

(embora escasseie o tempo
que temos para o dia-a-dia).

A folhinha do Sagrado está fina e decotada,
e já me chegou a nova, com um novo modelo de Jesus.

Mas para o modelo de Jesus ninguém se ajusta.
Muitas promessas para a casca,
que se adensa ou se afina,
conforme a meta de formosura.

Alguns pretextam imperativos de saúde.
Alongam a vida sem a transformar.
Alongam a vida para mais a lamentar.

Mais tempo perdido,
iniciativa adiada. 
O verdadeiro Futuro esquecido
na consciência inebriada.

Distraem-se ou se divertem?
Tudo é o mesmo.
Tudo é fabricar alegrias
e oferecer soslaios ao medo.

É desprezar o alarme,
ignorar o sinal.
Alijar a oportunidade
de abreviar o mal.

Então te desejo algo,
e esse algo não é coisa alguma.
Essas coisas te distraem,
esse algo te apruma:

Para o alto e avante!
No rumo da luz
(já não como antes).

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

ENQUANTO VIDA

O abandono é uma liberdade triste,
e ainda tão potente quanto outras.
A morte é um abandono que, se involuntário,
restitui a liberdade.

E tudo isso é capaz de uma geração infinita,
infinita como é a vida:

Vê-se.
Não se entende.
Imperfeitamente se representa.
Mas se sente, muito.
E se vive, inevitavelmete.

Nada a abrevia senão em ilusão.
O que parece silenciá-la dispara 
o contador da bomba que a restaura.

A vida se restaura!,
suplanta a morte.
A morte é sua distração,
seu breve descanso, suas altas.

Amar a vida enquanto vida,
nada mais importa.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

SEM PORTEIRA

"Dois pro tango" para o começo,
mas, para o fim,
basta um desafinar.

O amor te deixa mole,
mas pode ser muito duro
(qualquer um pode atestar).

Às vezes se dança como pede o figurino,
às vezes é um pra lá, um pra cá.

É "entrada dos corajosos",
e "saída dos sobreviventes".

Mas quem não tem peito nem é gente. 

domingo, 22 de dezembro de 2024

QUI ÇA?

Chove como se o mundo
precisasse de lavagem.
Chove e é a própria verdade.

Pela primeira vez em décadas
não me atrevo a pôr música;
esta trilha não pode ser melhorada.

Ela leva por outra trilha,
algumas vezes silenciosa,
a do pensamento

(que pode ser tempestuosa)

Deixa a chuva cair.
Se São Pedro está lavando a casa
não há mesmo como impedir.

Deixa o pensamento chegar.
Se a casa tem de ser arejada
para que tentar evitar?

O destino do que chega é partir.
O destino do que está é passar.
Mas a Terra precisa de chuva,
e você, quiçá, de pensar. 

sábado, 21 de dezembro de 2024

O MACHADO ESTÁ NA ÁRVORE

Não há proveito em buscar o completo.
O completo não existe,
e o infinito é processo.

As riquezas são um truque;
parecem possuídas,
mas são apenas retidas.

Como a Lua, 
tão aplaudida,
mas que brilha por empréstimo.

Melhor buscar o Bem.
Ainda é tímido em nós, 
mas passado o ímpeto generoso
ficam os méritos do sacrifício.

Melhor não contar com o estado de coisas,
pois o mérito não é como o pensamos,
nem a vida é barganha.

Quem conhece a técnica do destino
sabe que a dor é um caminhho
em que muito impulso se ganha.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

EM SÉRIE

E o que ele se dizia
era que nunca puxara um gatilho
que não tivesse feito do mundo um lugar melhor.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

OPORTUNO

Obrigado, Senhor!
Por isso que é o outro nome da vida:
oporutnidade.

Que eu possa não gastá-la,
mas investi-la.
Que eu afine meus ouvidos
para ouvir o que ela me pede.

Que eu tenha a coragem de não me revestir
da proteção que seja apenas medo.

A vida, inevitavelmente,
acaba em desmantelo.
Mas só da casca.

Que a minha visão seja aguçada
para ver o proveito além do risco,
isso que eu traço.

A superação do atraso, 
a liquidação da dívida.

Não queimo pontes,
que outros viajantes podem atravessar.

Que o meu juízo clareie 
para que eu saiba aonde não voltar.
Retaguarda só em socorro,
regresso só o da revisão.

Disciplina, disciplina, disciplina,
para seguir a minha bússola codiforme,
apoiada na razão.

Razão, claro, cordial.

O passo firme.
O sim, sim; o não, não.
Mas em gentileza.

Gentileza mas assertiva.

Que eu tenha o devido carinho com o Tempo,
em respeito à graça de ter nele visto a única riqueza real.
Tempo que em tudo se converte,
e em que nada se converte.

"Bonito como a cara do meu filho", 
do meu pai e de seu bisavô, a minha.

Não são círculos. É uma espiral em abertura infinita.

Oportunidade, o nome verdadeiro da vida.

domingo, 15 de dezembro de 2024

MUITO E BREVE

Arremetia-se contra a realidade,
como quem lançasse pena a alvo distante,
sem feri-la.

Desferia o verbo controverso
que não bem soava
nem o bem servia.

Não se poupava a si,
nem poupava a freguesia.

E todos iam vivendo de ledos enganos
que pujanças temporárias encobriam,
sem nem entorpecer
(que dirá matar).

A vida é muito breve instante
pra se enganar.

sábado, 7 de dezembro de 2024

INVÉS

Acordei sozinho,
como sozinho me deitara.
E cansado após
a madrugada povoada.

No domínio do sonho
há multidões.
Cada rosto que vejo
é uma minha inclinação.

Ali sou capaz de tudo,
e nada foge ao meu olhar.
Estarrecido me censuro,
surpreso me congratulo.

Como poderei, ao acordar,
ser novamente uno?
Sob a capa do dia,
conformado aos olhares.

Mas a alma irradia 
tudo quanto lhe arde.
Não estou falto,
estou guardado.

E fica adiado o tesouro
para o tempo em que me abro

e sou-me ao invés de outro.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

SIMPLES

A sorte nunca é completa
ao que não se dá conta dela. 

E quem a alcança inteira?

A sorte, sobranceira e ladina,
não está no jardim, na esquina,
mas está no trajeto.

A sorte é o ele perdido
entre o distante o e perto;
o passado e o futuro. 

Para o tolo, ela nunca estará presente,
será sempre aspiração.
Nâo importa como se apresente;
rente, passará ao largo.

(O dstraído é seu próprio embaraço) 

A sorte não volta se se prende,
parte, se se solta.

A sorte é olhar à volta
com os olhos mais simples
que se possa.

sábado, 30 de novembro de 2024

OPINIÃES

São idiotas todas as discussões de grandeza.
Um poeta não é grande, te toca.
(ou nem te roça)

Uma banda não é a maior, te agrada.
(ou não te serve para nada...)

Uma amor não é como nunca antes, é de agora.
(o maior brilho é o da hora)

E a hora passa,
assim como os homens e seus pãos
(ou pães?)

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

MERO

Não sei o que seja noita alta,
mas a noite despencada
escura sobre mim.

Sem cardumes de estrelas,
embora se pareça
com o fundo do mar.

Não sou biólogo, astrólogo,
astrônomo ou escafandrista.
Eu sou um mero turista.

Estou aqui por acaso.

sábado, 9 de novembro de 2024

VERANEIO

De quatro estações,
três são verões;
uma é veraneio.

É como se Belo Horizonte
fosse o Recife
o ano inteiro.

Chove sobre quem não está.
Como chovo tudo que curo
no meu fictício mar. 

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

ALMEJADO

Eu sou o que desejo
mesmo quando não pareço obtê-lo.
Essa ideia que se demora;
fica, não vai embora.
Ninguém descobre se chegou ou sempre esteve.

Quem nunca se absteve de tentar
e não tem o direito de desistir.
A ideia radica ali.
Ninguém sabe se essência, se acidente.

Você se ilude que não,
mas é bem esse tipo de pessoa. 
A ideia que não se pronuncia,
mas é sua moradora.
Ninguém sabe se inquilina ou se proprietária.

É uma ideia refratária a todo tipo de realização.
Ninguém sabe se é bênção
ou se é danação. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

INTERSTÍCIO

Tanto lugar no mundo,
e me caí neste eu.
Não sei se escorreguei
ou foi Deus.

Nada parece muito adequado.
Suspeito que fui acidente,
nunca planejado.

Mas sei prestar atenção
e vou aprendendo a escolher.
(Por mim, claro, não por você!)

A vida apresenta suas surpresas.
Parte parece teste, parte presente.
Parte é coisa. Parte gente.

Vou me equilibrando,
dentro do possível.
Entre a parte que me cabe
e a medida de destino. 

A isso chamo vida, ou 
Escola do Interstício.
Parece que vou terminando,
mas sei que é outro início.

domingo, 29 de setembro de 2024

QUANDO É

Foi quando a noite ventou um alívio
que o dia há muito não oferecia.
O dia sempre tão aparente,
mas que pouco se conhecia.

A noite é essa ponte larga,
disso pra qualquer outra coisa.
A madrugada é livre
porque a alma está solta.

Júpiter ainda não
(mas o tenho bem posicionado).
Algumas vezes me atrevo,
outras tantas me calo.

Mas o pensamento arrasa distâncias.
Só a afinidade sabe quanta.
E isso se reconhece,
não se engendra.

Nenhuma métrica enquadra
e nem adianta botar no poema. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

ÁGRAFO

 Não querendo escrever,
grafei.

Agravei o mal sem querer.

O mal de que não me curei por preguiça.
O bem de quando a caneta enguiça.

Eu queria concluir
(mas me faltou premissa).

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

UM POSTO

Uma réstia de sol vale a tarde,
como uma franja de esperança resiste à infância.
A vida sempre por um fio,
não se sabe se curto ou comprido.

Não se sabe se novelo ou desalinho.
Mas tenho a curiosidade de um gato;
o mesmo vivo interesse
que ostenta o pequeno felino.

Eu nem quero, almejo.
E sinto que consigo.
Não vou ficar enganado,
a vida é muito mais que isto.

A vida não está em outro lugar,
apenas está também lá.
A vida é bem mais do que se pode divisar.
A vida não se pode represar.

Ou é vivida em intensidade
ou não está sendo vivida.
A vida não tem como não ser percebida.

A vida bate,
a vida ensina.
A gente aprende,
a vida premia. 

As asas crescendo juntas:
amor e conhecimento,
pela via da disciplina.

A vida eu aceito,
e muito mais eu queria!
Na envergadura divina.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

...TODO

Ninguém precisa entender.
Ninguém precisa aceitar.
Agitada a bandeira do "um-dó-lá-si"
não existe a do fim.

Nem quadriculada,
nem preta com caveira.
Nunca acaba a brincadeira
séria de viver.

É um constante herdar de si mesmo.
Um constante aumentar o inteiro.
Melhorá-lo.
Doá-lo.

Nada a marcar o passo.
Tudo a orientar-te.
Um dia a Júpiter,
um dia amar-te.

Observa.
Entende.
Retifica.
Faz.

Tudo que é bom, apraz.
O que não, dispara o alarme da consciência
Essa é a mais básica ciência,
que não se pode negar.

Viver exige atenção.
Viver bem exige apuro.
Sai do escuro,
acende essa luz!

domingo, 4 de agosto de 2024

UM INTEIRO

A solidão também é liberdade;
faz o que te arde!
Faz o que te pulsa,
coisa alguma precisa ser expulsa.

Tudo o que se aninha em ti
espera o momento do voo.
Escuta o que entoo
e no tempo certo abre as asas.

Nada apaga tua chama.
Clama!
O deserto é o conhecimento de si.

Volta-te pra ti;
Sê!
Ninguém precisa entender.

sábado, 3 de agosto de 2024

O SOMA

Dizia em um tom que parecia postiço:
"tudo é possível."

A paixão é indiferente
tanto a que esperem por ela
quanto a que a queiram evitar.

É uma explosão como há outras;
apenas mais envolvente
(ou louca).

A qualquer momento,
ao dobrar uma esquina,
alguém pode te apanhar
os Tilibra depois de os derrubar.

Todos saímos da escola,
mas tudo é ainda escolar.
Todos têm um grau de medo,
mesmo se dizem conformar-se.

O rebuliço é conhecido,
ou é sintoma.
Para quem não se divide
tudo se soma.

segunda-feira, 22 de julho de 2024

SATÉLITE

A lua hoje está de provocar sinistros!
Ando distraído para te esbarrar. 

Eu estou.
Você parece não estar.
Estou na velocidade certa para divagar.

Vagar não é escolha,
é sina.
Já nem soa a campainha que nunca mandei instalar.

As pessoas correm muito.
Não sei onde querem chegar.
Eu já faço uma vaga ideia.
Por isso distraído (mas devagar).

quinta-feira, 4 de julho de 2024

ENQUANTO

Ninguém dá-se ao trabalho de dar-se ao trabalho.
Sobrexcitam a imaginação e chamam-no esperança.
E, no entanto,
o dia que amahece não tolera essa infância. 

Os fatos apresentam-se brutos.
Quando parece haver paz,
é só ausência de tumulto.
De sobressalto,
de conteúdo.

Um vazio expande-se,
sobretudo.
Não se acorda nem se morre,
sonha-se.

O movimento estanca.
O filme vira foto.
Desfaz-se o foco.

Estou cego 
ou isto é enfim tudo?

terça-feira, 2 de julho de 2024

NEUTRO (domínio público)

Era neutro. Não se expressava, não interferia, não se posicionava, não sabia.

Dormiu, acordou em cima de um muro. Era largo, confortável.

Viu embaixo, de um lado, anjinhos esfuziantes que lhe acenavam perseverantes, convidando-o a descer para junto deles. 

Do outro lado capetinhas impassíveis o olhavam de braços cruzados. 

Estranhando o fato, perguntou a um deles:

- Não vão tentar me convencer a descer para o seu lado?

Sem esboçar emoção, o capetinha respondeu:

- O muro já é nosso.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

PERCURSO

A escrita poética sincera
é de exercício frustro.
Como um grito praticado no escuro
sem real desesperação.

Esse exercício é cinema estático,
mudo ou falado.
É como canção só compasso,
sem melodia ou inspiração.

É um interior sem âmago.
É um bioma só pântano,
casa só assombração.

Nada se faz sem o assombrado.
Não se nada sem nado
(e ainda esperamos tradução).

quarta-feira, 12 de junho de 2024

PERFEITO

Ando pelas mesmas ruas
quando os dias são oe mesmos;
nem são-joões, nem fevereiros.
Nem procuro nem vejo.

Você pervaga.
Perfaz caminhos insuspeitos.
Não ouve convites,
não aceita pleitos.

Só o desencontro sabe ser perfeito.

sábado, 1 de junho de 2024

PROMONTÓRIOS E ALMADILHAS

Algumas impressões não se dão,
só se permutam.
Assim as das coisas que tocaram fundo,
nos ensinaram, redefiniram.

Porque essas só aos recomeçados,
iniciados, 
entristecidos.

Essas só aos que se assombraram
(mesmo se esquecidos).

As coisas fundas,
em que se amorteceram as angústias.
As coisas claras,
que derrubaram as escamas dos olhos.

As estradas de Damasco,
tão caras aos renascidos.
As praças do interior,
que abrigam os inúmeros primos.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

CENAS

Cenas urbanas. 
Bonitas mas estrangeiras. 
Eu não as entenderia nem se as escrevera.

Mas as olho com avidez indiscreta.
Não sei se tão bem as vejo,
ou se o foco é o meu desejo. 

Tudo está calmo.
É uma estação propícia.
A chuva refresca, mas será interrompida.

Fertiliza possibilidades.
Mesmo as de quem acha que é cedo,
ou acha que se faz tarde.

Muito me ocorre.
O tempo estanca. 
Há muito material para urdir a esperança.  

segunda-feira, 29 de abril de 2024

MERITOCRACIA

O Sol nasce para todos,
e para todos dura o mesmo o dia começado.


Mas alguns apreciam a vista,
enquanto outros seguram sombrinhas
para os que podem desfrutá-lo.

NULLE PART

Esta caderneta é tão pequena;
caberá nela o poema?
Ou talvez até seja grande
pruma inspiração que se ausenta. 

domingo, 14 de abril de 2024

SER E ESTAR

A vida é chama e consome tudo
sem que o distraído o tenha dado por existido.


A vida chamou para outro lado
os amigos que casaram e os com filhos.
Levou longe os amigos que se ordenaram
e as amigas que tomaram o hábito.

A vida age sempre,
quase sempre sem espalhafato.

Num dia os programas abundam,
e precisam ser sorteados.
Noutro dia você gosta 
quando nota que está isolado.

Por um tempo parece reversível,
mas uma estranha vertigem impede o gesto.
Depois parece impossível,
ou que provoca tédio.

Mas a vida que foi, isso é lógico,
não pode seguir sendo.
Nem a musculatura poderia sustentar o aceno.

Parece que não sigo sendo,
mas me sinto dilatar.
Até preencho o recinto com o meu jeito de estar.

Mas a vida segue tramando e,
num susto, esta já é outra coisa.
Tudo, tudo cansa
e quem muito voa também muito pousa.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

GALOS

O Cabral que não descobriu mas fundou um mundo
disse que um galo sozinho não tece uma manhã. 
Acompanhado, tece.

Bem acompanhdo é alvoradeiro, 
traz o dia feito em seu celeiro. 
Não precisa de carro,
não precisa de mitologia.

Só precisa essa forma tão pura de alegria chamada encontro,
ou ponto de partida.

E canta toda madrugada.
Canta quando a noite já está cansada,
mas segue sempre dedicada.

A noite. O canto. O ponto. A vida.

domingo, 31 de março de 2024

FLORAÇÃO

Enquanto a ilusão é possível,
desfrute-a.
Na frutescência da desilusão.

Elas se encontrarão brevemente,
e se despedirão.
A sentidos opostos, da mesma direção.

Nesse momento, tenha coragem.
Acene a ambas com cortesia,
e as despeça igualmente.

Há tempo para que outras frutas se apresentem.
Há estações, constantemente.
O trem que se vai... nem tente.

Essa linha não se fez para pés,
fez-se para o ferro.
Você que, de carne, em carne se sustenta,
aguenta!
 

sexta-feira, 29 de março de 2024

terça-feira, 26 de março de 2024

CLÁUSULA PÉTREA

Sim! Para frente é que se anda,
"para a praça, ver a banda passar".
Mas os seus erros passam recibo.

Ou assinam nota promissória,
um qualquer compromisso.
Vozes não são tortura, não são loucura.
Talvez vozes sejam procura.

Onde estão, de onde vêm?
Já estão, quando as ouço,
tão caladas quanto apagadas
as estrelas que vejo?

Nada tem volta, não tem jeito!
A lei de destruição é do arcabouço perfeito.

(Como também a do recomeço...) 

sábado, 23 de março de 2024

SAL

Choro, não mostro.
Lá fora não cai água alguma.
Cá dentro a chuva inunda.

O Sol recusa seu calor,
e as estrelas maiores tão distantes. 

Sozinhos um e antes.

quarta-feira, 20 de março de 2024

SE DOA (edit)

Não puxo muito o fio.
Respeito o tempo do novelo,
mas confesso que gosto de vê-lo
desfiar-se em lentidão.

(Novelo não desfia à toa,
ele se doa à confecção) 

segunda-feira, 18 de março de 2024

MA NON TROPPO

Jogos tortos,
pódios inúteis.
Como lhe são importantes
as coisas fúteis.

E quando pensa em si mesmo,
vê apenas o corpo.
Depois me perguntam como
me tornei misantropo.


domingo, 17 de março de 2024

DO CANTO

Canções de amor podem ser absurdas,
como o erro de um iluminador que foca a porção vazia do palco.
Como procurar a fala depois dos dois pontos e do travessão e só haver espaço.
Ou se perguntar que ponto final de fato encerra o assunto.

Canções de amor deviam ser proibidas na madrugada,
quando me sinto defunto.
Quando o corpo está desalmado e o espírito é foragido.
Canções de amor cruéis, sobre o que não tem acontecido.

Sei que são feitas para outros,
mas parecem falar comigo.
E guardo-lhes as dicas: o amanhã nunca sabe
(vamos ver como é que fica).

sexta-feira, 15 de março de 2024

RETROVISOR

Quando tudo eram flores
nos atínhamos às armas.

E quando tudo era livre,
vigiávamos as amarras.

Era flagrante a fragrância
que eu, então, não senti.

Não via o que era vivo,
e, ao que vejo, morri.

segunda-feira, 11 de março de 2024

FORTALEZA

Sentir-se forte
e ser o fraco de alguém.
Ou sentir-se em ponto de bala
e ser o ponto fraco de alguém.

Uma debilidade transferida,
uma fortaleza adiada.
Como agora estão indefesas
as portas da minha casa! 

domingo, 10 de março de 2024

NA MANHÃ

De um sábado à noite
já ninguém espera nada.
Sou apenas uma alma
insistindo em estar acordada.

Talvez estivesse melhor
dando a vez ao sonho,
ou recebendo instruções
para além deste plano.

Mas a música soa.
Alterna afagos e tapas.
Consola e caçoa.
Deixo tocar as ruins
e faço repetir as boas.

Essa gente que compõe
é feita do mesmo material.
Tem hora que sofre,
hora que encanta,
e hora em que soa mal.

Mas  madrugada é mágica.
Parece até um pouco o amor:
não acaba por se gastar.

Então invisto na madrugada,
para ver onde vou chegar.  

terça-feira, 5 de março de 2024

SOLZIM (Que cê conta?)

Ninguém está por sua conta,
e ninguém as pede a você.
Você paga as suas todas
(e a vida parece à toa...)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

DEVOLUTO

Noite de hotel... em casa.
Cidade em que não há guerra,
mas tudo é terra arrasada.

Cá dentro trincheiras prontas
pra guerra que quer ser travada,
em terras devolutas a serem reconquistadas. 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

É DIA

Precisava escrever
e nada me saía.
Comecei com a coruja,
terminei com a cotovia.
E se a noite foi deposta,
repristina-se o dia.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

QUANTO ANTES

Há quem seja vento em popa,
em apoio às velas.
Há quem seja âncora,
terra.

Há quem brinde a todos com luz e quem a encerre.
Há quem nem tente e quem erre.
Há o que persiste até que acerte.

As estradas são muitas.
Estrada é decisão?
(Há quem prefira deitar-se no chão).

Mas a estrada não consente,
a estrada insiste.
É obrigatório alcançar o limite.

Quanto mais esforço
quanto antes.
É crime grave matar o instante.

O instante pulsa.
O anjo chama.
A vida não cessa.
É  impossível abandonar a meta.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

SE ENTRETECE

As pessoas nos amam com o que podem e o que são,
não como a gente quer ou julga que merece
(amam como conseguem).

Por isso o amor não é decreto,
acontece.
Quem sabe amar não exige,
entretece.

Do amor se lembre antes
de tudo o que não se esquece.


quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

DISFARCE

Não se apegue à máscara,
ela não te favorece.
Ela apenas faz lembrar
o que jura que esquece.

Melhor sentir o sol.
Melhor receber o vento.
Melhor estourar o claustro,
do fundo desse convento.

E se te baterem na cara,
oferece a outra face.
Toda sinceridade
é mais bonita que o disfarce.

SAZONADO

Tem opresso na mão
o coração.
Ele parece que queima,
mas não.

Não é o caso de arremesso.
Não é o caso de vesti-lo,
como se fosse adereço.

Não é o caso de liquidação.
É melhor o caso de oferta,
numa sincera estação.

Até lá pode cuidá-lo.
Pode até guardá-lo no peito.
Ele saberá emergir

quando for o tempo perfeito. 

domingo, 7 de janeiro de 2024

FOCO

Em dúvida sobre onde reside maior beleza,
na aurora ou no crespúsculo,
vivo para ver o dia chegar e o Sol se despedir.

Nada, então, está parcial em mim.
Sinto, inteiro, o desejo de totalidade.
Eu resido no mundo, não nesta cidade.

E mesmo essa amplitude me parece parcial.
Sinto que, quando penso, o meu raio é sideral.

A vida pede crescimento e,
se me distraio,a dor o impõe.
Por isso vivo melhor atento
ao que só o amor constroi.


sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

MATOU O GATO

A porta está aberta;
ninguém entra, ninguém sai.
Ao que tudo consta,
facilidades não atraem.

Estivesse a porta fechada,
quereriam ver do outro lado.
Bateriam nela,
ou a tentariam explodir.

Por isso essa porta aberta
me faz muito mais feliz. 

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Tenho uma certeza esquecida,
uma foto esmaecida,
de um futuro que quer ser. 

Uma saudade confusa,
claridade noturna,
do que me convém fazer.

Um lugar em que estar,
com pontes a atravessar,
demolidas ou por construir.

Então preciso apertar os olhos
e buscar ao peito o espólio
do que ainda está por vir.

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

NO OUTRO SENTIDO

Deambulo pela cidade
em que você também mora.
Nem tão longe assim,
nem tão perto quanto outrora.

Aquelas canções são outras,
e estas pessoas nunca existiram.
E talvez volte a ser assim
(e pelo mesmo motivo).

E você quer tanto ir embora!
(mas nem a morte é ida sem volta)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

OBRA NOSSA

É preciso uma paz que resista ao tumulto.
É preciso sossego no mundo.
No mundo íntimo, o único minimamente passível de controle.

É preciso ser você na torre, para o comando de si.
A paz só pode começar ali,
com vista para tudo que nos acontece
e selecionando a resposta.

Não digo que seja fácil,
mas é preciso fazer a aposta.
Só ganha quem arrisca.

Também sei que o mundo o complica,
mas ele é do mesmo tamanho por dentro e por fora
(mas o de dentro pode ser obra nossa).