Eu converso com o Pessoa
todos os dias de manhã.
Eu também sofro desassossegos,
e sabê-lo não é coisa vã.
Ele me diz, às vezes,
coisas bem tristes,
mas minha alegria resiste,
quando é tempo de se instaurar.
E quando ela não existe
gosto de saber dos tristes
como o que nele há.
Não concorda que consola
saber que não é o dono da bola
no jogo da inquietude?
Vendo como portou-se o outro
posso mudar minha atitude.
(e dependendo de como me porto
é bom propósito que eu mude)
Eu não tenho receio,
me pego no enleio,
e leio toda a manhã.
Às vezes sinto consumir-me uma febre
que o Jobim não descreve,
a tal febre terçã.
Tá tudo tão bem colocado,
o mundo explanado
com tanta beleza!
Não há só belezas alegres,
sabe-o bem quem escreve:
há "tintas da melancolia".
Nem só da "pena da galhofa" se vive.
Aliás, alegria ensaiada deprime,
porque comprime o meu desdobrar-me.
Não importa no que a vibração consiste,
hoje é "fixe" declarar-me.
Talvez fixe o achasse o Pessoa
se vivesse no mundo de hoje.
Mas vivendo pulsante,
experimentante,
e não como então ele pôde.
Como pôde ainda pode:
existido escrito,
remédio ou combustível
para a minha aflição.
E vou aprender com seu erro,
que também vivo o desmantelo,
mas dou carne à encarnação.
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