sexta-feira, 2 de outubro de 2015

DESBERNARDO

Eu converso com o Pessoa
todos os dias de manhã.
Eu também sofro desassossegos,
e sabê-lo não é coisa vã.

Ele me diz, às vezes,
coisas bem tristes,
mas minha alegria resiste,
quando é tempo de se instaurar.

E quando ela não existe
gosto de saber dos tristes
como o que nele há.

Não concorda que consola
saber que não é o dono da bola
no jogo da inquietude?
Vendo como portou-se o outro
posso mudar minha atitude.

(e dependendo de como me porto
é bom propósito que eu mude)

Eu não tenho receio,
me pego no enleio,
e leio toda a manhã.

Às vezes sinto consumir-me uma febre
que o Jobim não descreve,
a tal febre terçã.

Tá tudo tão bem colocado,
o mundo explanado
com tanta beleza!

Não há só belezas alegres,
sabe-o bem quem escreve:
há "tintas da melancolia".

Nem só da "pena da galhofa" se vive.
Aliás, alegria ensaiada deprime,
porque comprime o meu desdobrar-me.

Não importa no que a vibração consiste,
hoje é "fixe" declarar-me.
Talvez fixe o achasse o Pessoa
se vivesse no mundo de hoje.

Mas vivendo pulsante,
experimentante,
e não como então ele pôde.

Como pôde ainda pode:
existido escrito,
remédio ou combustível
para a minha aflição.

E vou aprender com seu erro,
que também vivo o desmantelo,
mas dou carne à encarnação.

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