domingo, 30 de março de 2025

VENDO ESTRELAS

A madrugada quando não é profunda
é, claro, rasa.

Eu me pergunto o que os bêbados estão fazendo de interessante,
ou o quanto seu estado lhes infunde essa ilusão.

De cá, sinto que não cumpro algo
(e não é me intoxicar).

Nos supomos tão sóbrios,
tão lúcidos,
tão letrados...

e não sabemos o que está escrito.

quarta-feira, 26 de março de 2025

ÍGNEA

Eu a queria
desque a via
pela escotilha.

Traz tua terra ígnea,
que eu vou morar nessa ilha.

sexta-feira, 21 de março de 2025

sábado, 15 de março de 2025

VORAGEM

É madrugada.
Socorre-te do lápis e lança à própria cara tudo que não merecerá a eternidade.

Suas aflições que não são nada diante das daqueles a quem falta o pão.
Os seus falsos cuidados que em nada se comparam aos de quem ama.
As suas quase companhias que não veem suas frases chegarem ao fim.
O sacrifício de abster-te do que para ti carece de valor.

A coragem que não chega para por nas coisas todas as letras,
ou para arrombar as portas entreabertas do coração que se sonha às escâncaras.
Não te chega para andar na prancha, limpar o convés, consultar os astros.

Toda coragem pouca chega tarde.
Cedo apenas o bastante para descobrir no tempo a voragem, a passagem, a estiagem, a pausa. 

A pausa.

A música que falta saber mais para reconhecer. 

segunda-feira, 10 de março de 2025

LOUSA

A lousa dos melhores dias da vida
é areia da praia.
Só leu o seu recado quem também o escreveu.

Jamais as ondas se deteriam tanto que permitissem uma testemunha honesta, quer do vivido, quer do relatado.

O segredo foi escrito
e está lavado.
Mesmo o muito doce há muito foi salgado.

Essa é sua conservação,
é o que minha memória consente.

Nem tudo se rememora.
Algo se revive.
Nada se ressente.

Algo é deixado,
algo é combustível do presente.

Ao futuro, aonde mais?!
Ao duro, ao leve, 
a tais!

domingo, 9 de março de 2025

PELA PRESENÇA

Alarme, cúmulo do silêncio.
Silêncio, repouso do alarme.

De onde Deus não está
tudo se evade. 

Ó que não consta que o nada exista
(em realidade).

PELA FALTA

O amargo para saber do doce,
o doce para saber do amargo.

Quem já não o tivesse sentido
poderia achar que eu tinha inventado.

sábado, 8 de março de 2025

UZBARULHIM

Ninguém foge aos conselhos da madrugada, 
despertos ou adormecidos.
Os conselhos da madrugada têm algo de intrometidos.

(Ainda para os abstêmios é como se houvessem bebido)

Nada parece pequeno, tudo se vê expandido.
Qualquer decisão que se avente parece selar o destino. 

Mas o dia raia sobre a loucura como raia sobre o siso. 
E sempre trará o querer ter ou não ter cometido.

quarta-feira, 5 de março de 2025

OU MARÇO

A conversa mais transcendente que se pode entreter
numa quarta-feira de cinzas é com divorciados.

Sabem que a ressurreição existe.
Tiveram a coragem de desfilar.
Enfrentaram o rigor milimétrico da apuração.
E recolheram-se, muitos, sem nem faixa de campeão.

Às vezes a euforia dura quatro dias por ano,
às vezes quatro anos
(às vezes é só enfermidade).

Mas transcendem.
Mesmo se o carnaval não foi uma escolha tão consciente.
Era bloco pra todo lado, aderir a um ou ser arrastado.
E tomem serpentinas e buquês e muitos figurantes,
de abadá ou "enternados".

Depois que passa parece um sonho,
ou talvez até pesadelo.
Não sabem se "nunca mais!"
ou "nos vemos em fevereiro!"

segunda-feira, 3 de março de 2025

POR FAZER

As madrugadas dos feriados parecem blindadas
contra até a passagem do tempo.
E têm  um fermento distinto,
como se delas pudessem nascer poemas,
problemas, vergonhas ou projetos vitoriosos.

Mas madrugadas é que são os tempos faustosos!

Nada me alcança.
Nada me atormenta.
A campainha não soa.
A companhia repousa.

O mundo está onde pertencente: lá.
E mesmo lá posso buscá-lo, num passo,
como me convenha.

Ser criador é uma ótima ideia,
embora seja velha.

É um poder irresistível;
os personagens nascem e morrem
(conforme saiam dos trilhos).

Criar é liberdade,
e liberdade, um perigo!
Então deponho a caneta
(como ora convém ao livre-arbítrio)

domingo, 2 de março de 2025

SOPRA

É uma vela que por mais que se sopra
não se apaga.
Porque de um velório sem morta
ou de festa sem a convidada.

Não se apaga e se não se apaga
não se realizam os desejos.
(Talvez porque sejam os ecos
de já tão apagados festejos).

Alegrias em que... ainda se vive?
Resta a questão filosófica pura:
a espera é sobrevida
ou é morte prematura?

sábado, 1 de março de 2025

É POSSÍVEL

A página completamente branca
é o infinito das possiblidades. 

E precisar de pauta ou formulário,
um diagnóstico de banalidade.