segunda-feira, 29 de setembro de 2025

VALSA

Meus olhos são represas
em cujas redondezas
ninguém se atreve a viver.

Nem os já afogados,
nem os que, de tão sedentos,
acreditam que beberiam o mar.

Meus olhos são represas
cuja segurança eu não meço,
não atesto,
não desafio.

Meu coração é um prédio em ruínas
em que ninguém se abriga.
Nem os flagelados da seca.
Nem os flagelados da chuva.

Ainda menos os flagelados
que nunca ousaram correr perigo.

Meu coração não tem estrutura,
mas se abala.
Meu coração não tem sutura,
sua cura é criar asas.

(E a esta hora o ar me falta;
os pulmões já não dançam esta valsa).

domingo, 28 de setembro de 2025

APONTE

Nunca ninguém antes
nem tampouco depois,
quando faz-se tarde.

Por isso todo ciúme
é mero alarde.
Já ninguém mais cabe
neste que me bombeia.

Nada importa a lua cheia.
Nada importa o sol a pino.
Não importa o ambiente marítimo,
a praia,
o cais,
a ponte,

Só me traz o horizonte
aquilo pra que tenho olhos:
os seus que, meus, me olham
sem jamais me entender.

Ainda bem que a vida é eterna.
Ainda bem que amor não cansa.
Ainda bem que um verde lume
é um farol da esperança.

sábado, 27 de setembro de 2025

TEM PO (manca)

Acampa na campa desde o berço

Não sabe do mundo mais que o endereço
Não sabe da vida mais que alegorias
Não sabe da festa mais que o adereço
Não sabe do beijo mais que o desejo

Não sabe do amor senão a lenda
Não sabe do serviço senão o soldo
Não sabe da chuva senão o toldo
Não sabe da liderença senão a prebenda

E ignora que só o tempo é prenda
(do soneto só viu a emenda).

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

DUPLA VISTA

Reconheço:
tenho sido enganado.

Mais por timidez
do que inocência.

Mais por preguiça
que displicência.

(A vida é uma farsa burlesca!)

terça-feira, 23 de setembro de 2025

ERAS

A poesia que há nos dias e nas horas,
em deixá-los transatos e rememorá-los
com as cores que adoras (as cores de agora)
e chamá-los eras.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Aliás, como se adivinha

Poucos fusos no mapa
alguns compassos na canção
vinte minutos a outro bairro

(e a coragem sem invenção)

domingo, 21 de setembro de 2025

Fica estabelecido

Da felicidade não queremos abrir mão.

Bem, não tem de quê.
Faltou-nos a coragem de visitá-la
com bilhete só de ida,
como quem soubesse que quer
estabelecer-se.

sábado, 20 de setembro de 2025

Good Times

São descaridosos os que compõem canções perfeitas
para serem ouvidas de madrugada trinta anos depois.



But you can say "Babe,...." 


segunda-feira, 15 de setembro de 2025

domingo, 14 de setembro de 2025

17:17

Sigo vendo as horas às 17:17,
sem alarme e sem me alarmar.

Mas se isso é sinal de sorte,
Por que custa tanto a chegar?

sábado, 13 de setembro de 2025

POR VAGAR

Disse um poeta sempre amigo
(nunca falto de razão):

Para quem anda sem destino
o mundo cabe na palma da mão.
O mesmo mundo infinito 
para quem anda de avião.

(Mas vejo que se pode voar sem destino
e pervagar a imensidão.)

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

CISMO

Sem ter um sexto das lembranças de Funes
carrego as minhas como se fosse Atlas
(e não lembram o céu nem de longe)

às vezes se retraem
às vezes se expandem,
mas sumir não é seu ofício

e sendo obrigatórias como são
(até que alguma demência as leve de roldão)
tento contemporizar:

não mais me fustigam
e não mais as tento matar

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

EMPÓRIOS (não é nem que nem é)

Não é que a sofisticação seja outra coisa e dispense cerebração.
Tampouco que a elegância seja outra coisa e dispense certas mesuras. 
Nem é que sejam nada cortes e costuras.

Não é que o sucesso não exista e que o ser dispense coisas, ou não se meta em roupas.

É que a coisa é outra.