sábado, 30 de novembro de 2013

CENTRO

Eu queria morar num desses prédios do centro mais despretensioso, de nome "Cannes" ou "Mediterrâneo", ou qualquer outro que leve ao contraste de sua deselegância com o presumível charme do originalmente abrigado pelo nome. Ali a efervescência dos dias de feira me soterraria sob seu movimento quando também eu mais funcionasse. E o domingo alçaria a uma perturbação a ninharia do ganido de um cachorro velho; no domingo, quando também eu me sinto vencido.

Eu me sinto centro para além da obviedade de ser o centro de mim. Eu também tenho picos de vida, e também malvivo o ostracismo, quando meus dias não são úteis. Eu também sou mais colorido e agitado quando é assim a gente que me passeia e sou cinza, ou cinzas, quando a maré já não está cheia. Eu também sou num dia o espanto por as ruas serem tão largas e no outro o espanto por não bastarem a tanta tristeza.

E fico sem entender por quê os prédios são tão altos, quando estamos tão rebaixados, e os produtos tão novos, quando estamos tão defasados. Do que se faz um centro, e por que se oferece a todos quando é tão exclusivo o que o orbita? Por que outra gente, aqui tão perto, não sabe o que é estar aflita?

Mas eu sou só uma rua do centro, o que não falta é tribo! Eu sou só ruas do centro, não chego a prédio. Eu sou só ruas do centro, sou tédio. Vou de esquinas a viadutos. A garota-propaganda nunca usa o produto.

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